O Meu Herói (por Antonio Samarone)

Antonio Samarone, 13 de Abril, 2020 - Atualizado em 13 de Abril, 2020


 

A manifestação de pessoas razoáveis minimizando a Pandemia tem me incomodado. O que se passa na cabeça dessa gente?

A cobertura intensiva da imprensa tem naturalizado a tragédia? Essas pessoas foram contaminadas pela paixão política e seguem o seu Mito, que acha o Covid – 19 uma gripezinha?

A gravidade da Peste parece indiscutível, mas essa gente continua minimizando.

Essa conversa que o Covid – 19 mata todo mundo, ricos e pobres, é uma meia verdade. Mata bem mais os pobres e remediados. A classe média e os ricos estão confortavelmente isolados. O risco maior é para quem precisa ganhar o pão-de-cada-dia e para os que moram apinhados em comunidades carentes.

Uma parte dos que minimizam a gravidade da Peste, estão seguros.

Ontem à noite resolvi entrar em contacto com um amigo médico, que está na linha de frente do atendimento em São Paulo. Procurei saber a verdade sobre a Peste. Busquei um humanista, que fez medicina inspirado em Dr. Pedro Garcia Moreno.

O que eu ouvi foi comovente. Perguntei-lhe se podia publicar. Ele condicionou, “desde que não divulgue o meu nome. Não quero ser herói.”

Ele estava de plantão e me relatou"

“Trabalho em dois hospitais da periferia de São Paulo. Um na Zona Leste e outro na Zona Norte, onde estou agora."

"Também sou médico do Hospital das Clínicas, no serviço de coloproctologia e no departamento de gastroenterologia, onde ensino residentes a fazer retossigmoidoscopias.”

“Estou fora de casa, desde quinta-feira, dobrando plantões. Estou vendo um colega de 24 anos de Pronto Socorro, ser entubado e levado para a UTI”. Estamos dentro de um caos lento, que deve chegar ao pico em duas semanas.”

“Eu sou cirurgião de emergência, que opero do pescoço ao calcanhar. Sou intensivista a 24 anos.""

"Declarei que não sou diabético nem hipertenso. Eu não vou fugir! Não tenho o direito de fugir. Eu conheço o meu passado.”

“A minha esposa, ginecologista, e a minha filha ficam preocupadas. Eu as protejo, não conto tudo. Meus irmãos em Aracaju estão com medo, eles me conhecem, sabem que eu não me escondo.”

“Eu não tenho medo, me preparei espiritualmente desde fevereiro. Nada vai me abalar. Entubei diversos pacientes com Covid – 19, drenei tórax. Tive óbitos, mas também tirei pacientes graves da UTI.”

“Quando o quadro é desesperador, sem muita esperança, eu prescrevo a hidroxicloroquina. É uma medicação que conhecemos a décadas. Chega de preciosismos. É guerra mesmo!”

“Querido professor, a terceira guerra mundial chegou. Precisamos de equilíbrio. Muitos colegas choram, outros entram em pânico. E não nos deixa abraçá-los, com medo da contaminação.”

“E quem resiste? Os que tem espiritualidade e confiança no Deus de Abrahão.” É indescritível o que começamos a ver dentro dos hospitais. Lá fora, a população não tem a mínima ideia.”

“Esse hospital onde estou de plantão, tem cinco favelas em seu entorno. Tínhamos sete leitos de UTI, agora temos vinte e vamos para trinta. O gripário, enfermaria onde se coloca os pacientes menos graves, possui trinta leitos.”

“Meu coração não cabe no peito do sentimento do dever cumprido. Cuido de muita gente nos gripários, onde ficam os casos mais leves, que não precisam de UTI.”

“Acolho as pessoas e famílias que não podem entrar nas UTI para visitar os seus ente queridos, muitos há mais de 20 dias internados. Sem direito a visitas.”

“O hospital de Tatuapé virou um inferno. Não é momento para covardia. Médicos aposentados estão voltando, estudantes de medicina estão sendo convocados.”

“Tenho tristeza pelo povo desempregado. Mas eles vão se ajudando. As igrejas e as comunidades dividem o que tem. São Paulo possui 96 distritos, o vírus já chegou a 95.”

“Como ficar de quarentena num barraco que há divisão de horário para dormir. Não cabe todos. Donde vem o pão, o leite. É muito sofrimento.”

“O mundo jamais será o mesmo. Será o fim da arrogância. Para mim, amar, dividir, acolher e zelar pelo homem e por todas as formas de vida.”

Vou parar por aqui, mas ele me contou bem mais.

Meu amigo, sei que você não quer ser herói.

Eu lhe conheci de calças curtas. Você ficou órfão cedo. Seu pai tinha uma bodega sortida, que a gente chamava de mercadinho. Sei o que você e os seu irmãos passaram.

Você foi meu aluno. Sei que você estudou medicina custeado pelo ex patrão, um homem rico, donos de caminhões e posto de gasolina em Itabaiana. Sei também que esse senhor nunca revelou esse custeio. Não era um rico avarento, com diz a bíblia.

Não podia ser diferente, eu já esperava isso. Você sempre foi um menino de princípios. O seu isolamento para meditação na Serra de Itabaiana, forjou um homem forte.

E vou lhe dizer o porquê você é o meu herói, mesmo contra a sua vontade. Eu invejo os bons, os que andam por caminhos que eu não consigo andar.

Deus nos proteja!

Antonio Samarone.

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