A CONTRADIÇÃO CONTINUA Manoel Moacir Costa Macêdo

Manoel Moacir, 27 de Novembro, 2020

As contradições sociais e econômicas no Brasil são enormes. As diferenças entre a base e o topo da pirâmide da distribuição de riqueza são abismais. As maiores do planeta e não são recentes. Herança de uma colonização por exploração e a longa escravidão. Agruras humanas manchadas de sangue registradas na nossa história. A subjugação de humanos como peças de uma engrenagem mecânica na produção arcaica de mercadorias. Acumulação sem dó e piedade. Alicerces profundos da persistente desigualdade. Recordada na atualidade como “consciência negra”.

A pobreza, a fome e a miséria brasileira tem história, cor, geografia e identidade. Entre as desgraças expostas no espelho da pandemia, realça a fome. Uma contradição inaceitável entre a pujante produção de alimento pari passu à persistente desnutrição de brasileiros e brasileiras. Crueldade consentida no “velho normal”. A cada ano, uma nova safra agropecuária supera a anterior. Produção estimada em 260 milhões de toneladas de grãos. Comida suficiente para o abastecimento interno e exportação de excedentes. “O único setor da economia brasileira, pelo lado da oferta, a crescer mesmo durante a pandemia, com um superávit acumulado na balança comercial agrícola de mais de US$ 60 bilhões este ano, graças à produtividade crescente, impulsionada pelas aplicações tecnológicas que invadiram as grandes propriedades rurais”. A pequena agricultura, garante em torno de 25% dos alimentos básicos presentes nas nossas mesas. Apartada da “Agricultura 4.0”, pela baixa escolaridade dos produtores rurais, acesso restrito às inovações e limitada disponibilidade de capital. Distância a ser vencida no esperado desenvolvimento rural.

Continua a maldita contradição. Euforia pela relevante produção da agropecuária brasileira e vergonha pelo retorno da mancha da fome que parecia desaparecida do nosso mapa. Difícil entender que um país produtor e exportador de alimento para o mundo, em breve o maior de todos, conviva com normalidade com a fome dos seus naturais. Realidade que maltrata e machuca. Para o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, “a fome, identificada como insegurança alimentar grave, atingiu mais de 10 de milhões de brasileiros e brasileiras, sendo mais expressiva nos domicílios chefiados por negros, mulheres e no Nordeste”.

Analistas anestesiados pelas leis frias do mercado tratam a produção e o consumo como estruturas desconectadas. Para eles, produção e consumo são relações neutras e independentes. Não apreendem a essência das suas contradições na arena de desiguais. Na “práxis”, produção e consumo se completam, uma não existe sem a outra. A comida, não pode ser uma opção de “quem dar mais” na racionalidade capitalista entre comer e não comer. Não é uma decisão econômica entre alimentar os humanos ou os animais. Mas, um dever moral, iluminista e civilizatório da lei da vida, onde “tudo interfere em tudo”.  Cenários traçados no curto prazo, projetam o Brasil como o único país com capacidade de produzir e ofertar comida para uma população mundial crescente. Aqui existem em abundância terras agricultáveis, tecnologia, água doce, mercado, energia renovável, gente trabalhadora e empreendedorismo rural.

A fome não tem sido chamada às prioridades das políticas públicas e nem penetram nos sentimentos humanistas da sociedade. Também não é repudiada como merece, pela cruel e imediata consequência: a morte de “criaturas divinas” proibidas de adquirir comida pelas imperfeições e assimetrias sociais. Negado o mais elementar direito da vida: comer e cuidar do corpo para viver. Isso não é pecado divino, mas crime humano contra os fragilizados e invisíveis. A fome não pode ser vista como um fenômeno natural, encoberta pelo véu majoritário de uma sociedade cristã abençoada pelo mandamento de “amar o próximo como a si mesmo” e “quando estava com fome, me deste de comer”. Derrotada a previsão catastrófica da teoria malthusiana. Mantida a desigualdade social que carrega a fome para a barriga vazia dos pobres e negros. Sinais advertem sobre a continuidade dessa contradição consentida pela indiferença, egoísmo e acumulação desigual. Consciência, sim. Esquecimento, jamais.

 

Manoel Moacir Costa Macêdo é engenheiro agrônomo

 

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