Recuperação da economia, racionalidade e sacrifícios (Por Carlos Pinna Junior)
por Carlos Pinna Junior
A vida é cíclica e as circunstâncias inevitavelmente se repetem. Em 1929, o mundo assistiu, atônito, as atividades econômicas dos países agonizarem. Passados noventa anos, o mundo enfrenta a repetida dor, restando uma vez mais a sacrificante tarefa da reconstrução de economias estilhaçadas e cidadãos psicologicamente devastados.
No Brasil, a problemática se multiplica. Familiarizados com as dificuldades econômico-sociais históricas, recorremos novamente ao nosso senso de esperança. Com uma propensão natural à resiliência, preparamo-nos, cambaleantes, para o recomeço: a retomada do curso normal da vida e – porque inserida nela – da economia.
O desafio é enorme e ultrapassa a mera reabertura das atividades econômicas. Em verdade, uma coisa é a reabertura do comércio; outra coisa é a recuperação da economia. Para a primeira, é suficiente um decreto. Para a segunda, imprescindível um projeto estratégico e minucioso, com a participação e esforço não apenas dos Governos (no âmbito fiscal e social), mas da própria sociedade, com senso de racionalidade.
A propósito, já não bastasse tal missão, deparamo-nos com o obstáculo de uma disputa político-ideológico-partidária que muito assusta e nada ajuda: de vários os lados, doses de extremismo, maniqueísmo e imaturidade institucional completamente incompatíveis com o que o momento efetivamente requer.
O equilíbrio, suprema virtude, perde espaço para o fanatismo, de vários os lados. Opiniões fundamentadas em notícias duvidosas impulsionam boa parte da população que, ao cabo, não consegue enxergar que há vida fora das redes sociais e que é possível, sim, tecer críticas por não concordar com o Presidente da República, com o Governador do Estado, com o Prefeito da cidade, com os Ministros da Suprema Corte, com o síndico do condomínio ou com o amigo do grupo de whatsapp mas, ao mesmo tempo, reconhecer o direito que todos eles têm de agir e opinar de modo diferente, afinal a presunção de boa-fé é valor fundamental e a democracia, sabe-se, impõe resignações.
O fato é que em tempos de crise a história ensina que a união e a solidariedade são fatores imprescindíveis para a reconstrução. A divisão só destrói. Nesse momento de verdadeiro pós-guerra, o alento de sensatez e esperança repousa na parcela da população que, de modo centrado, equilibrado, pacífico e racional propõe-se a opinar, agir e projetar o futuro com olhos coletivos e descontaminados de qualquer afetação político-ideológica.
Sim, essa parcela ainda existe, é genuína e apesar de mal compreendida nos mundos radicalistas é, em verdade, a fagulha de esperança rumo ao que realmente nos interessa no momento: a formulação de ideias imparciais, projetos consistentes e ações concretas nesse imenso desafio econômico. Na cegueira coletiva, quem mantém a visão tem a responsabilidade de conduzir os demais, ensina a metáfora de Saramago: “a responsabilidade de ter olhos quando todos os perderam”.
Não há dúvidas de que serão tempos de necessária mudança de comportamento governamental e sacrifício coletivo. É tempo de reinvenção, trabalho árduo, abdicação e espírito solidário.
Por fim, voltemos às lições de 1929. O mais destacado estadista do século passado, Winston Churchill, descreveu há mais de setenta anos os sacrifícios impingidos ao povo inglês durante aquela dolorosa crise financeira mundial. A conjuntura adapta-se perfeitamente ao momento atual e a lição daquele tempo bem poderia servir de epífrase para a crise que hoje atravessamos: “Eles propuseram ao povo um programa de severa austeridade e sacrifício. [...] Teve-se que praticar a mais rígida economia. Todos teriam seus vencimentos, salários ou rendas reduzidos. A massa da população foi solicitada a votar por regime de abnegação. E respondeu como sempre faz quando provocada em seu espírito heroico.”
Que o nosso espírito heroico irrompa e nos auxilie nessa árdua tarefa da reconstrução, para que, daqui a algum tempo, quando tudo isso passar e nós – Governos e sociedade – estivermos reedificados, possamos dizer que essa superação foi também alcançada com “sangue, trabalho, suor e lágrimas”.
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