O MINADOR DO TANQUINHO

Jerônimo Peixoto, 08 de Novembro , 2019 - Atualizado em 08 de Novembro, 2019

O MINADOR DO TANQUINHO

Às margens da estrada entre Candeias e Itabaiana, emoldurado por altas árvores, está o minador do Tanquinho, no Pov. Cajueiro. Ele é majestoso, embora humildemente rústico. Era uma espécie de oásis, que servia de refrigério aos passantes, sobretudo nas horas mais quentes do dia. Tomar um gole d'água, repousar à sombra das árvores, sentindo a brisa refrescante sussurrar aos ouvidos, era algo de grande magia aos tropeiros, caixeiros viajantes e aos transeuntes que, a pé, cortavam nove, doze quilômetros, para chegarem à "Vila da Serra".

As lavadeiras se avizinhavam do poço, para ali passarem o dia, ensaboando, quarando, enxaguando e torcendo as peças que vinham amontoadas em largas trouxas ou em enormes bacias de zinco. Delas se ouviam cantigas bucólicas e apaixonadas, em forma de lamento ou de louvor, como se fosse o minador o confidente fiel de todas. Algumas punham-se em movimentos para retorcer as peças cuidadosamente lavadas, e despertavam outros sentimentos nos rapazotes que as assistiam a certa distância. Por vezes, suas roupas molhadas grudavam-se ao corpo, delineando outro espetáculo de infinita magnitude! Era um misto de dor e de encanto, de aspereza de uma vida insana e cruel com o frescor das águas cristalinas e das árvores a balançar seus galhos, gerando um som convidativo a uma pausa para o refazimento das forças. O ser humano é força e sensibilidade. Ah! Quantas coisas ali se deram, numa entrega inconteste que amalgamou, no cenário do tanquinho, sonhos e decepções em almas dilaceradas pelo peso da lida, mas confortadas pelas insídias do amor e da paixão. Ah! Que tanquinho!

Nos anos 60, a Administração Municipal fez-lhe um mimo, dando-lhe paredes e cuidando dos seus arredores, a fim de que não se contaminassem suas águas cristalinas. Muitas famílias de perto e de longe se beneficiaram com as águas do Tanquinho. Os Povoados todos das cercanias não teriam outro recurso, senão o de se deslocarem para o Tanquinho. Ao romper da aurora, ou no crepúsculo, filas enormes de potes e de baldes, cabaças e latas se formavam, com a mesma sede. A estrada se enchia de cores, de sons, de cantigas, de rápidas espiadinhas insinuando um sentimento doce no ar... A partir do olho d'água nasce o Riacho do Brejo que, naqueles tempos, era um córrego promissor, no qual se pescavam peixes e camarões, para saciar as mesas mais humildes da região.

O Brejo era lugar de muitos encantos e lendas: aparecia por lá, de quando em vez, um tal cavalo branco da meia noite, que transtornava a mente dos mais medrosos. Conta-se que ele ficava à espreita de quem vinha da casa da namorada, fora do horário convencionalmente permitido. Era um exímio vingador dos sogros que se sentiam traídos pelo exagerado tempero do amor, sobretudo de suas filhas. Pobres genros!

Entretanto, a ação devastadora fez derrubadas, desnudando as terras para plantio e pastagem, com a consequente escassez de águas. O minador, que jorrava do seio da terra água límpida e muito saudável, com tristeza encerrou o seu pranto... Não se ouvem o coaxar de rãs, o assovio do passaredo que, sob a forma de um clássico “ballet”, esvoaçava por sobre as águas, à procura de um minúsculo lambari. Algumas árvores morreram, e o Riacho do Brejo secou, pois, brejo não mais existe. As chuvas escassearam, o clima mudou e o Tanquinho deixou de abrir seus braços aos antigos transeuntes.

Hoje, a estrada é muito movimentada, o calor é bem maior, mas o velho minador ficou mais frio, perdendo a beleza e o encanto, e já não presencia o fogo de ardentes paixões... Deixou de contar os dias e as horas para servir de apoio ao que lhe vinham ao encontro. Gélido, porém seco, o Tanquinho deixou de ser tanque, de ser refrigério, de ser símbolo do aconchego que indistintamente distribuía. Quantas prosas e quantos segredos ali foram ouvidos! Quantas declarações de amor, quantos galanteios e quantas advertências de pais e mães! O Tanquinho não é mais o mesmo! Jaz, sem sombra, sem água, sem poesia, sem o lirismo que o fazia diferente e aconchegante. Quem dava água e sombra mergulhou nas sombras da morte.


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