O gordo feliz.

Por Antônio Samarone

Redação, 11 de Novembro , 2019

Seu Conrado da Matinha (93 anos), 1,78 cm, 105 kg. Só rolou uma conversa no velório: não se diz que a gordura mata, cadê?” Seu Conrado já nasceu gordo, e só morreu porque chegou a hora, e da hora ninguém passa.

Comecei a lembrar: em pouco tempo, a gordura passou de dádiva a maldição.

Numa sociedade onde a fome e a desnutrição dominavam, a gordura de Seu Conrado era vista como um sinal de riqueza, poderio e ascendência. Parecia um Major...

A preocupação era com quem emagrecia: viu fulano, magro e amarelo, só tem o couro e o osso, deve estar com alguma doença grave. Deus queira que não seja tuberculose.

Os gordos eram sadios e rosados. A barriga era do burguês, do chopp, da boa vida. Claro, com exceção dos muitos gordos (Tota, Cacau e Thiago).

Apesar da gula ser um pecado capital, saúde era barriga cheia. O jejum era sacrifício, ritual da semana santa.

O Seu Conrado só vivia de bom humor, uma graça, uma tirada na ponta da língua. Seu Conrado era um homem espirituoso. Cheio de chistes...

O prestígio do gordo começou a cair quando ele virou obeso. Só pelo nome, obesidade, não pode ser coisa boa. O obeso é improdutivo. Em pouco tempo a gordura virou doença e o magro virou esbelto.

Existem gordos bonitos, mas obeso eu não conheço. O obeso é o gordo triste, que não se aceita, que só pensa em dieta e bariátrica.

A química invadiu os alimentos, que passaram a ser analisados por especialistas. O que se pode e o que não se pode comer depende deles. A sorte é que eles mudam de opinião semanalmente.

Além de pesados e medidos, os obesos passaram a ser um risco, uma iminência mórbida. Em pouco tempo a obesidade virou epidêmica, um grave problema para a Saúde Pública.

Hoje se padece de uma obesidade científica, medida pela circunferência abdominal. Uma obesidade resistente a toda e qualquer dieta, onde a consciência é o que mais pesa. Uma obesidade que virou provação e martírio.

Seu Conrado foi o último gordo feliz, que nunca quis ser magro.

O obeso tornou-se objeto de denúncia, da vigilância alheia. Todos se acham no direito de admoestá-lo: se cuide, cabra veio! Muitos pensam com satisfação: pelo menos não cheguei a esse ponto.

Seu Conrado cagava e andava para essas conversas bestas. Era um gordo assumido.

Se morre um magro, todos atribuem aos caprichos da morte, que age aleatoriamente; se morre um gordo, a condenação é geral, também, queria o quê, gordo daquele jeito. Não dizem, mas muitos pensam: foi bem-empregado!

A morte de Seu Conrado, gordo e aos 93 anos, não ensejou até agora observações moralistas. Destoava. Foi quase uma festa. Cada um tinha um “causo” para contar do gordo feliz.

Antônio Samarone.


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