A teia tributária

Marcio Monteiro, 02 de Fevereiro , 2020 - Atualizado em 02 de Fevereiro, 2020

Ao pensar na complexidade da burocracia tributária brasileira vem logo à nossa mente a imagem de um emaranhado regulatório. Há muito o país vem reclamando junto aos parlamentares, a aprovação de medidas efetivas sentido de modernização e simplificação fiscal, que comecem pela redução da quantidade de impostos e taxas. São ao todo 65 tributos e centenas de obrigações acessórias, que custam em média 1,5% do faturamento das empresas de acordo com levantamento realizado pelo Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário.

O tributo mais relevante e de maior complexidade fiscal é o Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação, ou ICMS. Regulamentado pela Lei Complementar nº 87/1996 (Lei Kandir) o ICMS transformou-se em um amontoado normativo tributário que cresceu ao longo de 24 anos de vigência. Trata-se de um imposto perverso que tributa sobre o consumo dos mais pobres, que passou a ser utilizado pelos Estados como um atrativo para novas empresas, acolhendo demandas setoriais sem critérios, e desonerando a produção sem o devido controle de contrapartidas das empresas.

O fisco avançou na fiscalização à distância e na criação das inúmeras obrigações tributárias acessórias, que colocam os empresários literalmente nas cordas, sujeitos a multas por inconsistência nas informações ou perda de prazos, que acabaram por transformar as empresas em fiscais de si mesmas. Os governos estaduais, por sua vez, têm sua parcela de responsabilidade pela ineficiência que se instalou no parque industrial brasileiro em razão dos regimes tributários especiais e aos incentivos fiscais exageradamente generosos via ICMS, concedidos indiscriminadamente pelos governos Brasil afora.

Em Sergipe, o Programa de Incentivo ao Desenvolvimento Industrial – PSDI, desde a sua criação concedeu incentivos fiscais com redução de até 93,8% do Imposto devido, ou seja, alíquotas próximas de zero, e ainda assim muitas das empresas que gozaram de incentivos por anos, transformaram-se em devedoras contumazes. Com o acirramento da “Guerra Fiscal” entre os estados, as desonerações do ICMS em Sergipe o prazo de fruição de 10 anos passou ser prorrogado mediante ameaça das empresas em abandonarem seus empreendimentos no Estado ao se aproximar o fim do prazo do incentivo.

As micro e pequenas empresas (MPE) que representam mais de 90% das empresas contribuintes e grandes responsáveis pela manutenção de empregos em momentos de crises, passaram a conviver com alterações de alíquotas, novas pautas e obrigações impostas pelo fisco. Escritórios de contabilidade transformaram-se em um grande negócio, tal a complexidade, custo e risco na manutenção de controles próprios afinados com as exigências tributárias. O empresário de MPE viu se obrigado a ter uma estrutura parafiscal na empresa ou terceirizar serviços contábeis.

O Regulamento do ICMS de Sergipe transformou-se em um emaranhado regulatório complexo até para os auditores fiscais. Originalmente são 849 artigos e uma infindável quantidade de normativos e anexos, que já deveriam ter sido condensados e adaptados aos modelos mais atuais. Outras unidades da federação que se adiantaram nesse processo, dividiram a legislação em “livros” com ganhos em termos de simplificação e transparência para o contribuinte, além de redução nas consultas desnecessárias ao Plantão Fiscal.

Em Sergipe é um pouco mais desigual a relação entre empresa e fisco, até porque não existe clima para “DR” quando o poder está de um só lado. Refiro-me à participação de funcionários da Sefaz nos resultados da arrecadação (retribuição pecuniária “transitória” desde 1989) fator que no mínimo desequilibra essa relação.

O diretor do Centro de Cidadania Fiscal, Bernard Appy, disse em um de seus artigos: “A legislação tributária brasileira está cheia de “puxadinhos” – regimes especiais criados para acomodar uma demanda setorial ou social ou para facilitar a vida do fisco”. Em Sergipe não é diferente.

A grande novidade é que estamos passando por um momento muito propício para realização de mudanças estruturais importantes e revermos as políticas de atração de investimentos, não com foco em incentivos fiscais, mas locacionais (em parceria com os municípios) e de infraestrutura básica adequada.

Em tempos de reformas, o Estado precisa aproveitar a oportunidade de realizar uma simplificação da legislação do ICMS. O empresário assume os riscos do seu negócio em um ambiente de desconfiança na relação com o fisco, pois as regras mudam ao sabor do vento. O curioso é que o vento insiste em soprar na direção do aumento de arrecadação e nunca na direção da redução do gasto público, inibindo qualquer decisão das empresas planejarem investimentos no médio e longo prazos.

A Assembléia Legislativa de Sergipe recentemente contratou uma instituição especializada para desenvolver o seu Planejamento Estratégico. O Governo do Estado poderia acompanhar esse bom exemplo da ALESE e também inovar, contratando serviços de consultoria visando elaborar uma proposta de simplificação e consolidação de toda a normatização estadual do ICMS, produzindo uma versão renovada, descomplicada e enxuta de legislação.

Seria a oportunidade do atual Governo também inovar, dando uma significativa contribuição na melhoria do ambiente de negócios e na transparência fiscal, com reflexos positivos na produtividade e eficiência das empresas sergipanas. Nessa questão acompanho o pensamento do ministro Paulo Guedes, ao dizer que: “Simplificar os impostos é mais importante que cortá-los”. Em outras palavras o que o ministro quis dizer foi: Se não dá para cortar impostos, podemos ao menos descomplicá-los?


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