Groaíras reverencia os 195 anos da execução do seu filho mais ilustre - PADRE MORORÓ

Por Domingos Pascoal

Domingos Pascoal, 30 de Abril , 2020 - Atualizado em 30 de Abril, 2020

NASCIMENTO, INFÂNCIA E ESTUDOS:
 
GONÇALO INÁCIO DE LOIOLA ALBUQUERQUE MELO – PADRE MORORÓ, nasceu no Riacho dos Guimarães, hoje cidade de Groaíras, no dia 24 de julho de 1778, filho do Alferes Félix José de Souza e Theodora Maria de Jesus e foi batizado no dia 15 de setembro de 1778, na Capela de Nossa Senhora das Graças dos Guimarães.
De sua infância pouco se sabe, apenas que era de mente privilegiada e que aprendeu as primeiras letras com o Tenente Manoel Correia Lopes de Sá mostrando-se, desde cedo, um dedicado aluno das Ciências Físicas e Naturais.
Aos 15 anos, em 1793, mudou-se para a Vila de Sobral onde, teve a sorte de ser aluno e amigo do grande latinista Padre Manoel Francisco Rodrigues da Cunha, tendo, inclusive, tornando-se, seis anos depois, seu substituto temporário, como professor na mesma matéria.
No finalzinho do ano 1799, Gonçalo, demonstrando firme vocação ao sacerdócio e, incentivado pelo seu professor e amigo, Padre Manoel Francisco Rodrigues, viaja para a Província de Pernambuco, com o intuito de realizar o seu maior sonho, estudar Teologia, Filosofia e Latim no Seminário de Nossa Senhora da Graça, em Olinda, o qual seria oficialmente inaugurado por Dom José Joaquim de Azeredo Coutinho no dia 06 de janeiro de 1800 como Seminário de Olinda.
Vinte e poucos dias após a realização deste sonho, precisamente no dia 30 de janeiro de 1800, uma tragédia se abateu sobre a sua vida, morre seu pai e provedor, deixando-o, e toda a sua família em serias dificuldades. Definitivamente ele não tinha mais condições de continuar estudando ali. Salvou-lhe a sua privilegiada inteligência e boa vontade que, percebida por Dom Azeredo Coutinho, achou injusta a perda de tantos talentos por falta de recurso para a sua manutenção no Seminário e, achou por bem, nomeá-lo seu secretário particular, ajudando-o assim, em todas as suas despesas, até a sua ordenação sacerdotal.
 
VATICINIO DE DOM AZEREDO COUTINHO:
 
Percebendo que Gonçalo era um idealista, de caráter e temperamento contrários às injustiças sociais, vaticinou Dom Azeredo Coutinho: “Este moço há de se perder na primeira revolução que houver no Brasil”. Ao que parece estava antevendo o que, de fato, veio a ocorrer vinte e poucos anos depois: 
 
VOLTA AO CEARÁ
 
Já ordenado, foi designado pelo bispo diocesano a retornar à Província do Ceará. No dia 9 de dezembro de 1802, celebrou sua primeira missa na Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição, em Sobral, onde permaneceu até 1806.
Após esse período em Sobral, foi designado pela Diocese de Pernambuco a compor o quadro de sacerdotes coadjutores da Igreja Matriz de Santo Antônio de Pádua, em Quixeramobim, no sertão do Ceará.
Nessa época, esteve por pouco tempo à frente da Capela de Jesus, Maria e José, em Quixadá; Em 1810, já com 32 anos de idade, foi designado a servir como capelão de um povoado conhecido por Cavalo Morto, nome primitivo do que mais tarde, em 1862, viria a ser o Município de Boa Viagem, também no sertão cearense. Em 1814, como Capelão, transferiu-se para o lugar denominado Tamboril.
 
SEU TALENTO LEVOU-O A POLÍTICA
 
No dia 12 de outubro de 1816, na comemoração do aniversário do Sereníssimo Senhor D. Pedro de Alcântara, Príncipe da Beira, e, que pouco tempo depois, tornar-se-ia o primeiro Imperador do Brasil, foi organizada grandiosa festa, no Forte de Nossa Senhora da Assunção, em Fortaleza e, para fazer a saudação foi escolhido o Padre Gonçalo, por ser reconhecido como o maior orador da época, na província do Ceará.  
A sua oração foi tão triunfal e grandiosa que o Governador Geral da província do Ceará, na época, o português Manoel Inácio de Sampaio e Pina Freire, (Governador Sampaio), que, segundo João Brígido, era: “suspeitoso e mau que nem Dionísio de Syracusa”, impressionado com a sua desenvoltura e talento, admitiu-o à sua privança e, o nomeou seu Secretário. Padre Gonçalo, como secretário de governo, sabia muito bem manobrar o poder que tinha sobre o Governador Sampaio e, por vezes, o advertia de que seus cruéis procedimentos extrapolavam a sua autoridade, como o que acontecia com os presos políticos, chegando mesmo a exigir melhores condições de tratamento para os inconfidentes do Crato, perseguidos da Revolução de 1817. Embora o governador alegasse que eram ordens superiores, as interferências do Padre Gonçalo, sempre foram atendidas. A conquista desta amizade com o Governador, levou-o a ser nomeado professor de latim da Vila do Aracati, em dia 19 de agosto de 1818. Também por interferência do Governador Sampaio, recebeu as Insígnias de Cavaleiro da Ordem de Cristo.
 
UMA NOVA FASE NA VIDA DO PADRE GONÇALO
 
Do cargo de professor de Latim em Aracati, demitiu-se em dezembro de 1821, mudando-se, então para Quixeramobim, onde iniciou uma nova fase na vida. Além de seus ofícios de pastoreio, envolveu-se com a política e foi eleito vereador. Acredita-se que foi a partir daí, contaminado pelo vírus da política e da ideia libertária, que ele iniciou a sua caminhada para a morte alguns anos depois. Disse João Brígido: “Um espírito ousado, como o padre Gonçalo, não podia escapar aos perigos da terra. Ele esqueceu as conveniências e acabou lançando-se no certame da maledicência, preferindo os louros do triunfo à glória da paciência.”. Foi por defender a liberdade e por não concordar com a dissolução da Assembleia Constituinte, entre muitas outras arbitrariedades administrativas exercidas pelo então Imperador, D. Pedro I, que ele, austero e consciente, enfrentou o paredão algum tempo depois. 
 
PRIMEIRO JORNAL DO CEARÁ
 
Padre Gonçalo, foi o redator do primeiro jornal do Ceará, o “Diário do Governo do Ceará”, publicado no dia 1º de abril de 1824, durante o governo revolucionário do Tenente Coronel Tristão Gonçalves de Alencar, governo do qual era, à época, o secretário. Padre Gonçalo, embora fosse um homem esclarecido, respeitou a Monarquia e, acreditou ou fingiu nela acreditar durante muito tempo. Inclusive fez o discurso de 1916, que o levou a ser secretário do governo monarquista. Todavia, com o tempo, ele foi se convencendo de que estava do lado errado.

DOM PEDRO FECHA O CONGRESSO E DISSOLVE A CONSTITUITE

Na noite de 12 de novembro de 1823, D. Pedro, insatisfeito com o projeto apresentado da primeira constituição brasileira, fechou o Congresso e dissolveu a Assembleia Nacional Constituinte, data que ficou conhecida como “A noite da agonia”. Esse ato arbitrário e deselegante gerou uma insatisfação geral. Isso tudo acontecendo logo após “grito do Ipiranga”, de 07 de setembro de 1822 e, considerando, que pipocavam ainda as ideias iluministas no imaginário popular, os rescaldos da Revolução Francesa, os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, ecoavam em solo pernambucano, principalmente entre os maçons e Padre Gonçalo era Mestre Maçom. Seu espírito maçônico e fraterno falou mais alto ao perceber o que estava acontecendo, refez seus conceitos, começou a desacreditar dos mandatários que tanto elogiou em 1816.
 
MOVIMENTO AUTONOMISTA E REPUBLICANO

Esse Movimento Autonomista e Republicano, tendo como centro irradiador a província de Pernambuco, chegou ao Ceará pelas mãos do Diácono José Martiniano de Alencar, que à época estudava no Seminário de Olinda, e incendiou todo o Estado. Por este tempo, Padre Gonçalo, então Vereador pela cidade de Campo Maior de Quixeramobim e, também, secretário da Câmara. na memorável e heroica sessão, do dia 19 de janeiro de 1824, quando foi proclamada uma República e, declarado destituído o imperador do Brasil, Dom Pedro I e foram quebrados os laços com a sua dinastia de Bragança e, ainda o acusava de traidor da Pátria, bem como, o declarava, juntamente com toda a sua descendência, decaído do direito ao trono.
Especificamente, contra Padre Gonçalo de Loiola Albuquerque Melo, agora Padre Mororó, pesava três acusações de crime: o de ter proclamado a República em Quixeramobim; O de ter servido de secretário do Presidente da República no Ceará, Tenente Coronel Tristão Gonçalves de Alencar Araripe e, finalmente, por ter sido o redator do primeiro jornal impresso na Província, o Diário do Governo do Ceará.
D. Pedro I soube muito bem manejar a máquina para apagar a euforia, descobrir quem eram os culpados pelo sonho de uma república e punir severamente os revoltosos.
E começou a perseguição aos insurgentes com a determinação expressa do Imperador que exigia da Comissão Militar, exclusivamente criada com a finalidade de prender, supliciar e, até matar os cinco chefes do movimento e, entre eles o Padre Gonçalo, ou melhor, Padre Mororó. Ele, segundo diziam, teve afoiteza de insultar e destratar a sagrada pessoa de Sua Majestade Imperial, quando redigiu e subscreveu a Ata da República proclamada em Quixeramobim no dia 09 de janeiro de 1824.
Preso Gonçalo Inácio de Loiola Albuquerque Mororó, juntamente com o Coronel João de Andrade Pessoa Anta, foram conduzidos ao navio de guerra “Laxford”, ancorado no Mucuripe, que os transportou à corte no Rio de Janeiro para serem julgados pelos seus crimes.
Conta-se que, chegando à capital do Império, os presos foram visitados pelo Imperador D. Pedro I e que, olhando o imperador para o padre, que tinha apenas 44 anos de idade, mas já tinha o cabelo branco, perguntou-lhe quem era, respondeu-lhe então o Padre Mororó: “Sou o Padre Gonçalo”, “Pois bem”, disse-lhe o imperador, “ide viver, meu padre velho, que não és mais capaz senão de compaixão, e que se use contigo de misericórdia”.
Depois, livre e feliz pensando ter sido perdoado, o padre se dirigiu ao porto buscando uma embarcação que o levasse de volta ao Ceará. Mas tinha sido enganado. Foi preso pelo capitão de um navio inglês que o entregou a Comissão Militar; essa o aguardava e se apressou em julgar e executá-lo.
 
CRÔNICA DE VIRIATO CORREIA
 
A Crônica de Viriato Correia é o que melhor retrata como foi a execução deste ilustre groairense:
...” Vestem-lhe a alva dos condenados à morte. A camisola é curta – não lhe vai além dos joelhos. O padre olha demoradamente a vestimenta, ajeita-se dentro dela, puxa-a o mais possível para baixo a fim de cobrir os joelhos, e, vendo a sua figura ridícula em alva tão curta, diz com um amargo sorriso: – Louvado seja Deus, que a última camisa que me dão é sobre maneira curta”.
No trajeto para o local do suplício um frade acompanhava os condenados gaguejando a leitura de um ritual que encomendava as almas dos réus. Dirigindo-se o Padre Gonçalo Mororó ao frade disse-lhe: “Oh homem, nem por desgraça você sabe ler? Dê cá esse livro!”. E pegando o livro, ajudou a fazer os seus próprios sufrágios.
Chega-se ao lugar do suplício. O padre é posto na coluna da morte. Um soldado lhe traz a venda para lhe atar os olhos. – Não – Diz o condenado – Eu quero ver como é isto. Vem outro soldado para colocar-lhe no peito a pequena roda de papel vermelho que vai servir de alvo aos atiradores. – Não é necessário – diz Mororó – Eu mesmo farei o alvo. E cruza as duas mãos sobre o coração e grita forte, arrogantemente, para os soldados: – Camaradas, o alvo é este! E com um ar de riso, como se aquilo fosse uma brincadeira: – E vejam lá! Tiro certeiro, que não me deixem sofrer muito!
O condenado se encontrava com a mão no peito, e tão certeiro foi o tiro que lhe decepou três dedos. Sem murmurar uma palavra sequer, inclinou a cabeça para o lado e finalmente espirou”.
 
Obras consultadas:
 
MONTENEGRO, João Alfredo de Sousa. Padre Mororó: O Político e o Jornalista. Fortaleza, BNB/ACI, 1985.
CÂMARA José Aurélio Saraiva, Fatos e documentos do Ceará provincial. Fortaleza, Imprensa Universitária, 1970.
LIMA Esperidião de Queiroz, Antiga Família do Sertão, Livraria Agir Editora 1946.
FROTA José Tupinambá, História de Sobral, 2ª Edição Editora Henriqueta Galeno, Fortaleza, 1974.
CATUNDA José, Estudos de História do Ceará, obra reeditada por Gilberto Câmara, Typo-Lito, Fortaleza, 1919.
ALENCAR Juarez Aires de, Dona Bárbara do Crato, Tipografia e Papelaria do Cariri, Crato, 1972.
ARAGÂO Raimundo Batista, Ceará Revoluções, Edição do Autor. 2001


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