O GRANDE ENCONTRO [III] ( por Manoel Moacir Macêdo )

Redação, 30 de Abril , 2020 - Atualizado em 30 de Abril, 2020

Na linearidade do currículo do curso de agronomia, foram concluídos os dois compulsórios semestres no campus da Universidade Federal da Bahia - UFBA em Salvador. O seguinte, no campus de Cruz das Almas.No passado, o currículo por inteiro era no interior.Experiências do acordo MEC - USAID. Férias de três meses para os aprovados “por média”, dispensados da “prova final” e liberados em dezembro. Março de 1974. Hora de partir para Cruz das Almas. Enfrentar os veteranos e os trotes. Não era mais calouro. Estavano segundo ano. Nada garantia que estaria livre deles. Angústia e medo.

A única viagem realizada foi de Rio Real para a “república de estudantes” em Salvador, moradiabarata, no bairro periférico do IAPI, vizinha do“Sanatório Santa Mônica - o hospital dos doidos”. Roteiro e disciplina nos três anos do curso científico:IAPI ao Colégio Estadual Severino Vieira, no bairro de Nazaré, onde fui colega de Byron Amâncio. Uma camaradagem que não prosperou na universidade. Perdemos para ele uma disputa para o Diretório Acadêmico Landulfo Alves - DALA. Derrotou o candidato José Albertino. Adiante, soube que recebeu apoio do então clandestino Partido Comunista do Brasil - PC do B. Iniciava a aproximação com a política. Inicialmente, atraído pelo messiânicoDeputado Federal Francisco Pinto de Feira de Santana, votado em Cruz das Almas. A seguir, pelas bravuras do colega Amílcar Baiardi. Amizade que perdura até hoje. Na época um procurado subversivo. Também admirava a história de Rosalvo Alexandre, um bravo sergipano.

Chegada à Escola de Agronomia. Primeiros dias alojado no “hospital”. Tensão e pânico. Recebido com“galinha d’água e ameaças”. A noite um horror. Inundações no quarto, gritos e palavras-de-ordem.Não dormir uma noite tranquila. Após uma semana, fui informado que não teria “direito ao alojamento, somente às refeições”. Não soube lidar com o jeito “Angelina de ser”. Com os colegas Bival e Haroldo, alugamos um quarto na residência das funcionáriasIsolina e Rita. Pessoas simples e acolhedoras.Moradia resolvida. Residência na Escola.

Em verdade, a minha vocação não era a agronomia, mas o direito. Estudei em escolas públicas. Prestei o vestibular sem “fazer o cursinho”. Atendi apenas três matérias em regime intensivo. Não estava preparado para um vestibular concorrido. Asobrevivência definiu o destino. Influência decisiva do meu pai. Disse ele: como engenheiro agrônomo era fácil passar no vestibular e arranjar um emprego.Adiante, concluir o curso de direito. Quando, inquirido sobre a razão de duas carreiras tão díspares para a época, respondia: “primeiro cursei agronomia”.  Na dialética, “tudo interfere em tudo”. Escreveu o poeta Pablo Neruda: “você é livre para fazer suas escolhas, mas é prisioneiro das consequências”.

Na infância e adolescência, experimentei umavivência rural dolorosa. Não convivi com um meio rural belo, confortável e amigável. A labuta paterna como agricultor familiar e o sofrimento dos trabalhadores rurais deixaram feridas. O trabalho “no sol a pino”, ouso de ferramentas medievais como a enxada, a foice, o facão, o machado, as doenças, a pobreza e a morteprecoce, incutiram uma ruralidade doída. Entendia a agronomia como uma profissão rural, para cuidar dasplantas, solo e animais. O meu sentir era o inverso:olhar e cuidar das pessoas, tal qual a ingênua “extensão rural” do Professor Assis. Ao invés do produto, pensava no produtor rural e familiares. “O nosso comportamento, decide a vida em nós e fora de nós”.

Desconhecia a generalidade do currículo do engenheiro agrônomo. Não sabia das disciplinas humanistas. A vocação estava parcialmente atendidana administração, economia, extensão e sociologiarural. Mas o direito, continuava no “fundo do peito”.Vocação concretizada nos anos noventa, quando concluir o “Bacharelado em Direito” pela Universidade Católica de Salvador - UCSal. Advogado juramentado e inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil - OAB. Por longo tempo, fui professor universitário no curso de direito. Admiro os colegas engenheiros agrônomos em sua “completa tradução”. Passados meio século, futurologistas e planejadores não abstraíram às transformações nas diversas ruralidades. Não se anteciparam à transdisciplinaridade entre o rural e o urbano, local e global, pluriatividade, meio ambiente e produção agropecuária lastreada em ciência. O rural não é mais essencialmente agrícola. Um novo mundo rural emergiu. Com ele a complexidade,externalidades, protagonismo dos consumidores e contradições sociais. Tarefa impossível para a unicidade do engenheiro agrônomo.

Assim foi a aproximação com as disciplinas profissionalizantes do curso de agronomia e a chegada ao campus de Cruz das Almas. A história possibilita entender o passado sem falsidades e mentiras, imaginar o futuro sem ignorar as diferenças.Com o tempo “tudo que é sólido se desmancha no ar”.


                         
Manoel Moacir Costa Macêdo 

Engenheiro Agrônomo


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