Pesquisador sergipano tem capítulo em livro nacional que aborda os direitos dos povos de terreiro

Redação, 09 de Outubro , 2020

Abrir caminhos para as lutas do povo de santo e fechar corpos contra o racismo religioso. Este é o principal objetivo do segundo volume do livro “Direitos dos Povos de Terreiro”, obra composta por 12 capítulos escritos por estudiosos e especialistas no assunto, e um deles é o pesquisador do Instituto de Tecnologia e Pesquisa e professor da Pós-Graduação em Direitos Humanos da Universidade Tiradentes, Dr. Ilzver Matos, que, em parceria com Pedro Meneses Feitosa Neto, ex-orientando do pesquisador, escreveu o segundo capítulo da obra: “Advocacy e litigância estratégica em defesa dos povos de terreiro e contra o racismo religioso em Sergipe”.

O livro foi editado pelo Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico e pela editora Mente Aberta. A escolha da quantidade de capítulos não foi aleatória, pois, remete aos 12 quiabos do amalá de Xangô (comida preferida do orixá) e aos 12 ministros guardiões da justiça afro-brasileira. De acordo com Lúcia Xavier, Assistente social, fundadora e coordenadora da organização de Mulheres Negras - CRIOLA, sediada no Rio de Janeiro e ekeji do Ilê Omiojuaro, em Nova Iguaçu/RJ, as religiões de matriz africana são uma síntese de diferentes culturas, concepções e religiosidades de povos africanos que chegaram ao Brasil na condição de escravos, e cujas experiências, modos de vida, costumes, estéticas, conhecimentos, artes e linguagens foram mescladas aqui no Brasil, estabelecendo, desta forma, um conjunto de concepções que passaram a orientar os africanos e descendentes.

Ainda de acordo com a coordenadora do CRIOLA, as religiões de matrizes africanas serviram como modelos organizativos e tiveram papel preponderante nos arranjos econômico, social e político da população negra, criando e estabelecendo processos de enraizamento de homens e mulheres, reconstruindo origens, história e ancestralidades, bem como restaurando, para essa população, a condição de humanidade perdida com a escravidão.

“Porém, no entanto, a história dessas religiões está marcada pelo não reconhecimento do legado por elas criado, pelo desrespeito e pelos conflitos causados contra essas instituições, que já foram alvos sistemáticos de repressão, exclusão e discriminação por parte do Estado brasileiro sendo acusadas de práticas de charlatanismo, curandeirismo e estelionato devido às origens africanas, tendo nos Códigos Penais de 1890 e 1940 os instrumentos garantidores da perseguição desse complexo”, evidenciou a Assistente Social na publicação. Somente com a reforma da Constituição Federal de 1988 foi que as religiões alcançaram o direito de existir, deixando, assim, de serem reprimidas pelo Estado.

A DEFESA DOS POVOS
Dividido em duas partes, o livro oferece profunda análise dos processos do racismo religioso, o impacto que ele causa e as perspectivas políticas existentes, considerando os efeitos dele nas futuras gerações. A obra também aborda os diferentes processos estratégicos, organizativos e de outros arranjos em busca de justiça, da efetivação dos direitos das religiões de matriz africana e da ampliação da democracia brasileira. A parte 1 da obra é intitulada “Abrindo caminhos: mobilização e luta pelos direitos dos povos de terreiro”, e é nesta fase que está contido o capítulo “Advocacy e litigância estratégica em defesa dos povos de terreiro e contra o racismo religioso em Sergipe”, escrito pelo Dr. Ilzver Matos em parceria com o Me. Pedro Feitosa.

Embora não haja pesquisa específica ou censo para mensurar a quantidade de terreiros existentes no Estado, há especulações, de acordo com Dr. Ilzver Matos, de que somente na região metropolitana da capital, compreendida pelos municípios de Aracaju, Barra dos Coqueiros, Nossa Senhora do Socorro e São Cristóvão, deva existir cerca de cinco mil casas de santo.
“No capítulo escrito por nós abordamos as estratégias jurídicas, legais, políticas e sociais dos povos tradicionais de terreiro em demandas judiciais e administrativas que atingem as garantias constitucionais e legais. Questionamos, partindo do exemplo do estado de Sergipe, como são traçadas essas estratégias. Escrevemos sobre a relação entre racismo religioso, intolerância religiosa e a negação da existência de um direito à identidade étnico-religiosa no Brasil como contraponto a uma identidade global única e homogênea”, comentou o professor.

Segundo ele, foi explicado, também, como parcela das denominações cristãs age demonizando as religiões afro-brasileiras, os adeptos à ela e as entidades, além de analisar como o direito constitucional à liberdade religiosa é genérico, inviabilizando, assim, um tratamento mais específico para as religiões afro-brasileiras.

“Advocacy e litigância estratégica em defesa dos povos de terreiro e contra o racismo religioso em Sergipe” surgiu do projeto “Cooperativismo - povos de terreiro e desenvolvimento sustentável em Sergipe”, desenvolvido no Instituto de Tecnologia e Pesquisa e financiado pelo edital CNPq/SESCOOP. Também é resultado da pesquisa para o pós-doutorado do professor Dr. Ilzver Matos, e de atividades da extensão universitária no campo da litigância estratégica na defesa judicial dos povos de terreiro sergipanos. O texto cita exemplos de judicialização de casos de intolerância religiosa ocorridas no estado de Sergipe.

RESTRIÇÕES DE DIREITOS
O pesquisador chegou à conclusão de que em todo o País ocorrem processos que têm como escopo a limitação das liberdades religiosas das comunidades tradicionais de terreiro, veiculadas sob a máscara da proteção a bens como o meio ambiente, a saúde pública, o sossego, o direito dos animais e a infância, dentre outros. “A organização dos povos de terreiro e a luta deles por liberdade e respeito, criando novas estratégias específicas contra as ofensas que os atingem, tem sido crucial para o reconhecimento da existência de um direito à identidade étnico-religiosa no Brasil e para o combate ao racismo religioso. Desta maneira, o direito está sendo reinterpretado pelos povos de terreiro e eles dão ao País a oportunidade de se tornar mais esclarecido e menos preconceituoso”, afirma.

Estas restrições de direitos, na visão do pesquisador e professor universitário, são fruto de um déficit de consideração sobre a importância histórica passada, presente e futura desses povos e comunidades na formação da Nação; sobre o quanto são responsáveis pelos bons exemplos de utilização dos recursos naturais; e sobre como os saberes e fazeres tradicionais são patrimônios cultural e histórico do povo brasileiro.

Dr. Ilzver Matos e Pedro Feitosa Neto chegaram ao entendimento de que, diante de todos os fatos que têm visto e acompanhado nos últimos anos na atividade de litigância estratégica na defesa dos povos de terreiro, falta tanto à população quanto aos operadores do direito, do País como um todo, o entendimento de dois pontos cruciais: saber o que são os povos de terreiro e a importância deles como patrimônios históricos e culturais do Brasil; e o que é e como enfrentar o racismo religioso, que preferencialmente atinge essas comunidades tradicionais.

Segundo os escritores, é necessário que todos os órgãos públicos assumam o compromisso de identificar, mensurar e combater o racismo institucional, de enfrentar o racismo religioso, tomar providências urgentes para garantir a proteção da liberdade religiosa desses povos tradicionais e evitar ataques contra os templos, bem como garantir a salvaguarda do patrimônio material, imaterial e dos espaços litúrgicos naturais necessários à reprodução ancestral, como o mar, os manguezais, os rios, as cachoeiras, as matas e as pedreiras, dentre outros.

Fonte: Andréa Moura/Ascom ITP


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