Data que relembra a morte de Zumbi dos Palmares passou a ser feriado nacional, mas os atos e campanhas que evocam a consciência negra e a luta contra o racismo vem se estendendo ao longo de todo o mês de novembro
A exemplo de campanhas importantes que são realizadas na área da saúde, com meses inteiros dedicados a doenças específicas, o mês de novembro vem sendo adotado por ativistas e movimentos sociais como o “Mês da Consciência Negra”, dedicado a atos, campanhas e debates de reflexão sobre a importância e a valorização da presença negra na sociedade brasileira. Estes acontecem ao longo dos dias anteriores e posteriores ao 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, que passou a ser um feriado nacional após a aprovação e sanção da Lei 14.759/2023. A primeira vez em que esse feriado foi comemorado nacionalmente foi nesta quarta-feira, mas estas ações vem se estendendo ao longo de todo o período
A data relembra o dia da morte de Zumbi, líder negro que comandou o Quilombo dos Palmares, na Serra da Barriga (AL) e reuniu milhares de pessoas negras que fugiam de fazendas nas quais eram escravizadas. Em 1695, ele foi assassinado ao enfrentar um ataque de bandeirantes paulistas que destruíram o quilombo. A ideia de relembrar este fato surgiu em 1971, a partir de intelectuais e ativistas negros que formavam o Grupo Palmares, em Porto Alegre (RS). O objetivo foi enaltecer a figura histórica de Zumbi e destacar a verdadeira história da luta dos negros pela liberdade, contrapondo-se ao que era ensinado até o momento sobre a presença e a cultura dos negros trazidos para o Brasil. A partir do início deste século, a data passou a ser comemorada como feriado local em seis estados e mais de 1 mil municípios, motivando a extensão do feriado para todo o país.
“A lei foi um marco importante para consolidar uma data que já era referência dos movimentos negros e de direitos humanos. O fato de se tornar feriado nacional potencializa a discussão sobre o tema, é colocado nos calendários das escolas por todo o país e contribui para a conscientização da população e enfrentamento ao racismo estrutural que ainda é uma chaga na sociedade. Esses efeitos práticos podem ser melhor aproveitados, chamando a sociedade civil e os órgãos públicos para intensificar campanhas de conscientização, reconhecimento da contribuição da população negra na formação da identidade nacional e da construção do país”, diz o professor Ronaldo Marinho, do Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos da Universidade Tiradentes (PPGD/Unit).
Entre os aspectos que foram bastante trabalhados durante as campanhas publicitárias, atos de rua, programas e reportagens veiculadas na mídia sobre o feriado da Consciência Negra, inclusive ao longo do último feriado de 20 de novembro, estão a valorização de pessoas negras que se destacam na sociedade, as pesquisas sobre racismo e letramento racial, a beleza da cultura negra e a ampliação do espaço da população negra na sociedade.
Ronaldo Marinho acredita que isso já representa um efeito prático da lei que criou o novo feriado nacional, no sentido de fortalecer os esforços da sociedade e das autoridades na conscientização e no enfrentamento contra o racismo. “Entendo que, sozinha, a lei não trará mudanças, mas é um referencial de fortalecimento, incentivo e potencialização das políticas públicas sobre o tema, dando espaço à sociedade civil para divulgar seus trabalhos e a identidade da população negra”, considera.
O que é ‘consciência negra’?
O conceito de “consciência negra” também surgiu em meio às discussões do Grupo Palmares, um dos formadores do Movimento Negro Unificado (MNU). Os ativistas se inspiraram tanto nas referências históricas negras brasileiras e ainda em outras duas grandes lutas antirracistas em evidência no final da década de 1960: o enfrentamento ao apartheid, regime racista que governava a África do Sul na época; e a campanha pelos direitos civis da população negra dos Estados Unidos, liderada por ativistas como Malcom X e Martin Luther King (respectivamente assassinados em 1965 e 1968). Neste sentido, o caminho tomado a partir do movimento gaúcho foi o do reconhecimento, da afirmação e da valorização do negro na sociedade, em todos os seus setores.
É o que o próprio professor da Unit define sobre o conceito de ‘consciência negra’, mesmo considerando que fazer essa definição não é tarefa fácil e nem acabada. “Entendo que consciência negra é reconhecer a população negra, sua cultura, sua religião e sua contribuição para a formação da identidade nacional e da sociedade, da construção do país e identificação como povo brasileiro. É conhecer a história das pessoas negras que contribuíram para a formação do país, dos homens e mulheres negras que também são nossos herois nacionais, que não sentaram nos palácios, mas foram fundamentais para termos um país livre e democrático”, teorizou.
E como cada pessoa pode adquirir e cultivar a consciência negra? A resposta passa pelo reconhecimento da existência do problema, da reflexão sobre suas causas e consequências na sociedade, e das atitudes para corrigir atitudes, comportamentos e pensamentos que incitem o racismo e a discriminação. Marinho cita a filósofa e escritora Djamila Ribeiro ao dizer que “para combater o racismo precisamos nomeá-lo, reconhecer sua presença no cotidiano da sociedade”. E com a participação de todos, sem distinção.
“Em primeiro lugar devemos admitir que ainda herdamos uma sociedade racista, que o racismo é estrutural, que ainda não superamos este problema e que ainda sofreremos muito com ele. Essa tarefa de enfrentar o racismo que deve ser tratada de forma interseccional por todos nós, negros e brancos, porque ainda não vivemos numa democracia racial. Também não devemos esquecer que o enfrentamento ao racismo requer políticas públicas inclusivas, atravessado que está por outras formas de discriminação, como a de gênero. O debate sobre racismo tem que incluir a pessoa branca, porque basta olhar ao redor para ver onde está a pessoa negra e verá a discriminação, não é somente uma questão de mérito”, conclui Ronaldo.
Fonte: Asscom Unit