Pioneiro no país, tratamento é disponibilizado na rede estadual de saúde desde dezembro e, ainda neste mês, segundo protocolo será ofertado pelo Governo do Estado
Quem vê o sorriso no rosto da pequena Maria Francy, de apenas cinco anos, não imagina que sua família lutou muito pelo bem-estar físico e mental da menina, que sofria com crises epilépticas graves. Há cerca de três anos, essa realidade mudou graças ao tratamento com medicamentos à base de canabidiol (CBD), que surtiu melhora em poucos meses.
Ela é uma dos mais de 50 pacientes atendidos pelo Núcleo de Atendimento em Terapias Especializadas (Nate), equipamento de saúde do Governo do Estado onde são disponibilizados medicamentos à base de CBD para tratamento de três síndromes epilépticas graves e de difícil controle. O espaço foi inaugurado em dezembro passado, após o lançamento do primeiro protocolo clínico estadual de acesso gratuito aos produtos derivados de cannabis spp. O estado de Sergipe foi pioneiro no país na distribuição do canabidiol na rede pública de saúde.
De acordo com a mãe de Maria, Julie Vieira, 27, desde o início do tratamento, a criança apresentou avanços no sistema cognitivo e melhorou aspectos relacionados à atenção, além de ter dores e crises aliviadas. Inicialmente, a família custeava o tratamento, mas desde que a terapia passou a ser disponibilizada por meio do Sistema Único de Saúde (SUS) no Nate, a situação tornou-se mais fácil. “Era com muita dificuldade, pois o medicamento é muito caro. A oferta pelo SUS é de grande benefício, pois além de ser um medicamento de grande utilidade, ajuda a população com um tratamento o mais natural possível”, ponderou a mãe.
Segundo o pai de Maria, Pedro Henrique, 43, atualmente o quadro de saúde da menina está estabilizado, de forma que ela só precisa ir ao Nate para consultas ou exames. “Maria tinha muitas crises, quase convulsões, também ficava em crises de ausência e algumas vezes perdia a consciência durante alguns minutos. Isso era contínuo. Depois do tratamento, essas crises quase zeraram; é muito raro ela ter uma crise, e quando ela tem é muito leve e passageira”, detalhou o pai.
Ele contou que a família já havia tentado o tratamento com outras substâncias que chegaram a amenizar os sintomas, mas nenhuma foi tão eficaz quanto o canabidiol. Nesse sentido, ele acredita que é necessário a sociedade desconstruir os preconceitos em torno da substância. “Eu acho que o que falta é as pessoas se conscientizarem e conhecerem sobre o CBD, porque às vezes há um preconceito. Com a gente, não teve isso, porque a gente buscou o conhecimento e a informação sobre o medicamento, que é muito importante, e o resultado veio”, concluiu Pedro Henrique.
Qualidade de vida
Assim como Maria Francy, o servidor público José Matheus Santos, 31, viu sua qualidade de vida aumentar de maneira exponencial a partir do tratamento com medicação à base do canabidiol, iniciado há aproximadamente dois anos. Por conviver com um tipo de síndrome epiléptica mais grave, José Matheus precisa associar o uso da substância a outros remédios, mas, segundo ele, o CBD é responsável por boa parte do bem-estar em seu dia a dia.
“Tenho bem-estar, relaxamento e posso me sentir confiante para realizar coisas que não podia antes, devido aos riscos. Consigo trabalhar, ficar só em casa. O canabidiol ajuda bastante, e quem toma outros medicamentos sabe a necessidade de eles trabalharem em conjunto”, considerou José, que é embaixador da Associação Brasileira de Epilepsia (ABE) em Sergipe.
Por ser um representante da causa, José Matheus participou da inauguração do Nate em dezembro passado, a qual ele classifica como um passo fundamental para a saúde sergipana, e principalmente para a população que precisa desse tipo de tratamento. “A luta para conseguir o medicamento era muito grande, e o gasto para os meus pais era imenso. Já cheguei a correr risco de morte devido à quantidade de crises. Ao receber os medicamentos, quando o núcleo foi inaugurado, a emoção foi muito grande para mim. Sergipe superou muitos outros estados que falavam anteriormente na distribuição. O valor de uma caixa é imenso, e muitos utilizam de duas a três por mês”, completou.
Outros benefícios
O responsável por acompanhar Maria Francy e outros tantos pacientes no Nate é o neurocirurgião Tiago Cavalcante, que explica que o canabidiol atua com a potencialização de efeitos de substâncias como a dopamina, serotonina e noradrenalina, responsáveis pela sensação de bem-estar. Entretanto, segundo o médico, a terapia com CBD não age como substituta para outros tratamentos, sendo utilizada apenas nos casos em que há ineficácia das medicações convencionais.
“O canabidiol é uma oportunidade a mais, especialmente naquelas situações em que o paciente usava mais do que duas medicações e não tinha efeito satisfatório, além de ter muito menos efeitos colaterais para o sistema nervoso central do que outras medicações. Contudo, ele não é legal para situações agudas, mas sim para situações crônicas; ele funciona muito bem, mas naquele grupo de pessoas que não se beneficiaram das medicação usuais”, esclareceu o especialista.
Ainda de acordo com o neurocirurgião, o CBD pode ser indicado para uma série de condições, desde problemas de pele, até doenças psiquiátricas, mas principalmente as doenças neurológicas. Além disso, a substância pode ser utilizada para o tratamento de sintomas diversos. “Sintomas comportamentais, dores, a sensação de muita tristeza na depressão, a dor da fibromialgia, dor da esclerose múltipla, a fadiga crônica do Parkinson, e a epilepsia, que é a principal indicação”, exemplifica.
No caso dos pacientes com síndromes epilépticas, o médico ainda indica que há o diferencial de o tratamento com canabidiol ser responsável pela diminuição do índice de mortalidade.
Terapias especializadas
De acordo com a coordenadora da Assistência Farmacêutica da Secretaria de Estado da Saúde (SES), Juliana Santos, os pacientes do Núcleo de Atendimento em Terapias Especializadas são acompanhados por neurologista com especialização em epilepsia e experiência em prescrição de produtos derivados de cannabis. Além disso, também há o acompanhamento de uma nutricionista especialista em nutrição neurológica. “Todo o processo tem os objetivos principais de acolher pacientes e familiares e garantir que a terapia com cannabis medicinal atinja a maior eficácia possível com segurança”, assegura.
Ampliação
Atualmente, a oferta dos produtos à base de cannabis pelo Estado contempla pessoas com epilepsia refratária que se encaixam em doenças específicas como síndrome de Dravet, síndrome de Lennox–Gastaut (SLG) e Complexo Esclerose Tuberosa (CET). A partir do dia 17 deste mês, com a implementação do segundo protocolo clínico estadual de acesso aos produtos derivados de cannabis spp., serão incluídos pacientes com Transtorno do Espectro Autista (TEA).
“O segundo protocolo será direcionado para pacientes maiores de cinco anos com diagnóstico de TEA associado ao comportamento agressivo, e entendemos que é uma condição clínica com extremo prejuízo na qualidade de vida dos pacientes e de seus cuidadores. O encaminhamento desse novo grupo de pacientes será por meio do seu médico assistente especialista, utilizando-se também de uma ficha de encaminhamento padronizada, explicitando a falta de resposta aos medicamentos de primeira linha, os antipsicóticos. Não serão exigidos exames laboratoriais. Será cobrado apenas o preenchimento de um questionário rápido que comprove objetivamente o comportamento agressivo”, detalha a coordenadora da Assistência Farmacêutica da SES, Juliana Santos.