A DESIGUALDADE SOCIAL É O RASTILHO DO FOGO [II]

Manoel M. Tourinho; Gutemberg A. D. Guerra; Manoel Moacir C. Macêdo

Em continuidade ao artigo anterior que relaciona a desigualdade social aos incêndios em curso no Brasil, esse ensaio se concentra na especificidade e relevância do Bioma Amazônico, um dos cinco biomas nacionais. 

Um bioma com particularidades, em especial, pelas suas responsabilidades planetárias, a Amazônia pede comurgência um novo contrato com a natureza. Incêndios de fogo alastrantes e velozes não ocorrem em terras úmidas e não acontecem em territórios com igualdade social. Uma das mais efetivas e eficientes tecnologias para combater o fogo da desigualdade é a “água da igualdade”. Todos os biomas brasileiros, sem exceção, foram ocupados com técnicas e tecnologias da superposição, e dominação.  As práticas igualitárias foram imediatamente cortadas pelos portfólios financeiros e tecnológicos.

Na Amazônia, o bioma que perfila a mais recente ocupação, expressa índices de desigualdades visíveis a “olho nu”. O conceito de “Amazônia Legal” revelou comopropósito, dotar os estados que não têm identidade amazônica, mas apenas, como meio de acesso aos recursosregionais. Dois desses estados, Mato Grosso e Tocantins, são os que mais agridem a natureza. São grandes ativos de“negócios” que favorecem às mudanças climáticas. Pasto e soja são atividades de “seca pimenteira”, como falam os populares. Relatórios apontam que o risco de incêndios extremos, exacerbados pela mudança do clima e o uso inadequado do solo, aumentou entre 20 e 28 vezes. O déficit de umidade nas plantas e no solo tem elevado a mortalidade das árvores. Amazônia Legal gera desequilíbrio e não igualdade, conduz à devastação e não à reposição.

Não se concebe que terras praticamente recém-ocupadas, no período das luzes, sejam terras de inequidades sociais. Não faltaram contribuições. Os debates sobre igualdade floresciam nos centros acadêmicos nos anos 50 do século XX, desde CelsoFurtado, Paulo Freire, e Darci Ribeiro, entre outros estudiosos que mostraram as coordenadas para o Brasil alcançar um desenvolvimento econômico-social-digno. Premissa a ser testada: relação entre o fogaréu e adesigualdade. Outras proposições merecem similar testes.Quanto maior a desigualdade, maiores as possibilidades da ocorrência de fatos espúrios decorrentes das mudanças climáticas, inclusive a atenuação das mesmas. É mais fácil evitar e controlar um fogo na pequena propriedade familiar do que nas grandes propriedades rurais. A Amazônia viveu centenas de anos de uma agricultura itinerante, do “shifiting cultivation”, derruba, queima eplanta com rodízios anuais. Era autossuficiente em comidaabastecida por seus autóctones. Não havia ambientes severamente degradados. Triste trajetória: da violenta desarticulação da “Amazônia dos rios” a favor da “Amazônia das estradas”, da agricultura das várzeas para a agricultura da terra firme, em meio século de ocupaçãodesastrosa. 

É importante assinalar que a Amazônia apresentaproblemas decorrentes de um modelo de ocupaçãoantidemocrático, operado segundo o “mandu militar” cujos erros são refletidos na atualidade. Na Amazônia, os índices de desigualdade, a exemplo do Índice de Gini – IG, apresenta um valor superior à média nacional de 0,85, ou seja, a Amazônia é patrimônio de pouco mais de 1% dos proprietários da terra, todos forâneos capitalistas. Quanto à renda, o IG varia entre 0,458 no caso de Rondônia, a 0,596 para Roraima, índices que expressam desigualdade, vis-à-vis à desigualdade brasileira de 0,489. Enfim, foi invertidaa lógica da ocupação dos biomas nacionais. Nos modelos vigentes, os biomas têm que servir aos interesses do capital, da rápida acumulação e do mercado. 

Relevantes questões aguardam urgentes respostas:Quem introduziu a soja e a pecuária extensiva na Amazônia?  Quem estimulou a construção de Usinas Hidroelétricas – UHE na Amazônia, tituladas de “energia limpa”? Quem construiu malhas rodoviárias em detrimento dos rios, dizendo aos poderosos do Brasil e do mundo os traçados para a apropriação das terras marginais? Quem trouxe para a exploração mineral a palavra “sustentável”? Tudo isso respondido ‘no olho da verdade’ levará, inexoravelmente, aos fatores estimulantes e condicionantes dos incêndios, entre eles o mau uso do solo e a má distribuição da riqueza. 

Manoel M. Tourinho; Gutemberg A. D. Guerra e Manoel Moacir C. Macêdo, são engenheiros agrônomos e pós-graduados em ciências sociais.

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