Das veredas nordestinas aos salões literários franceses do século XVII: tudo é filosofia.

Carlos Braz, 18 de Novembro, 2020 - Atualizado em 18 de Novembro, 2020

 

 

 

Das veredas nordestinas aos salões literários franceses do século XVII: tudo é filosofia..

                                                               Por Carlos Braz      

Em meados do ano 1640, era comum nos saraus frequentados pela elite intelectual francesa as discussões sobre questiúnculas da gramática e de estilo literário. Nesses encontros aristocráticos, casos amorosos, música clássica, champanhe e vinho se mesclavam em noites que pareciam não ter fim, pois os temas eram sempre os mesmos, acrescido de fofocas de alcovas, e amenidades outras, como as artes plásticas e a elegância dos vestidos e chapéus das madames, que promoviam e bancavam esses momentos.

Após essa época surgiu nos homens um desejo intenso de se conhecerem a si mesmo e aos outros, o que ocasionou o aparecimento de novos gêneros literários, entre eles as máximas, que mostravam o desejo de captar os sentimentos alheios, como a psicanálise e a psicologia.

Esses literatos introduziram as máximas morais nos salões, e fizeram com que fossem colocadas de lado as enfadonhas discussões sobre política e intrigas palacianas, convidando seus pares para o despertar dos seus cérebros e ao exercício intelectual.

O principal artífice da novidade foi o nobre francês François de La Rochefoucauld (1613-1680),que se tornou celebridade no contexto sociocultural da época, destacando-se pela sua espiritualidade e conhecimento perfeito da linguagem escrita e falada. Na contemporaneidade, seus escritos ainda são usadas quando se deseja louvar virtudes e comportamentos sociais.

A ler uma máxima, fui remetido de imediato aos ditados, ou ditos populares, produzidos pela boca do povo, aparentemente sem qualquer revelação intelectual. Na minha humilde concepção essas expressões brotaram da mesma fonte em que bebeu o ilustre e conhecido mundialmente François: o pensamento humano e seu poder de interpretar o mundo conforme sua cosmovisão.

 O dito popular é a máxima em outro formato. É também fruto da reflexão, da sabedoria e argúcia de espírito. Expressa, na sua linguagem rudimentar, a cultura, o poder de percepção do homem simples do campo e das cidades, a sabedoria do matuto, do sertanejo, bruto e analfabeto, e de tantos outros personagens de nossa imensidão territorial, perspicazes e observadores, cada um do seu modo, da psique humana. São frases sobre as quais não se sabe nominalmente quem as produziu, nem onde e nem quando. É a legítima filosofia popular, enquanto a máxima é a filosofia erudita.

O folclorista José de Carvalho Deda (1898-1968) em sua obra “Brefáias e Burundangas do Folclore Sergipano”, lançada em 1967, apresenta a colheita resultante de sua vivencia e experiências culturais com a gente simples do lugar em que nasceu, o município de Paripiranga na Bahia, e a cidade de Simão Dias, em Sergipe, onde viveu durante muitos anos. Em suas páginas encontramos máximas morais populares além de anedotas e historietas, apelidos individuais e coleetivos, crendices, o porquê das coisas e remédios caseiros.

Como afirmou o historiador Luiz Antônio Barreto, Carvalho Deda além de percorrer um mundo de coisas que nos rodeiam, mostra no seu livro 809 provérbios de uso comum, considerando sua obra um verdadeiro depositário de pesquisa e informações, de conhecimento e saber popular que revelam os traços da sergipanidade, que deveria estar presente em todas as estantes das bibliotecas sergipanas ao lado outros grandes intelectuais, como Sílvio Romero, Mário Cabral, Felte Bezerra, Clodomir Silva, entre outros. 

Abaixo transcrevo algumas máximas do pensador francês François de La Rochefoucauld, e ditos populares conhecidos da nossa gente, catalogados por Carvalho Deda. Não com o intuito de fazer comparações, pois foram produzidos em universos específicos, por sujeitos históricos com mentalidades diferentes e sim para exemplificar que a cultura e o conhecimento não dependem de determinismos biológicos ou geográficos, reafirmar a igualdade da natureza humana, e que é a cultura e suas particularidades, que determina suas realizações.

 

MÁXIMAS MORAIS DE FRANÇOIS DE LA ROCHEFOUCAULD E DITADOS POPULARES NORDESTINOS

 

Prá cavalo velho, capim novo.

A velhice é um tirano que proíbe, sob pena de morte, todos os prazeres da mocidade (La Rochefoucauld)

Não come bosta porque fede.

O menosprezo pela riqueza não passava, entre os filósofos, dum desejo oculto de vingar seus méritos da injustiça da sorte, através do desprezo pelos mesmos bens dos quais ela os privara; era como um segredo para se garantirem contra o aviltamento da pobreza; um caminho indireto para conseguirem a consideração que não podiam obter pela opulência. (La Rochefoucauld)

Mulher não se casa com cobra porque não sabe quem é o macho.

O interesse que cega alguns é a luz de outros. (La Rochefoucauld)

Barco parado não ganha frete.

A ventura e desventura dos homens não dependem menos de seu temperamento que da sorte. La Rochefoucauld.

Brasileiro só fecha a porta depois de roubado.

O ar do país em que nascemos permanece tanto no espírito e no coração como na linguagem. ((La Rochefoucoauld).

A cabra da vizinha dá mais leite que a minha.

Nossa inveja dura sempre mais que a felicidade dos que invejamos (La Rochefoucauld)).

Idade de mulher é como rabo de besta: cresce para baixo.

O inferno das mulheres é a velhice (La Rochefoucauld)

Coco velho é que dá azeite.

Chegamos completamente novos às diversas fases da vida, onde sempre se revela nossa falta de experiências, malgrado o número de anos. (La Rochefoucould).

De mulher e dinheiro, não zombes companheiro!

Existem bons casamentos, mas não os há deliciosos (La Rochefoucould).

Concluo esse modesto ensaio certo de que, tanto as máximas de La Rochefoucould quanto os ditos populares podem levar a duas situações. Em alguns provocarão o riso, e em outros cairão como brasas acessas, levando-os à reflexão e a autoanálise.

 

 

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