O cangaço no cinema e na televisão brasileira

Por Carlos Braz

Carlos Braz, 16 de Junho, 2021 - Atualizado em 16 de Junho, 2021

 
Foto: Pinterest 

O cangaço no cinema e na televisão 

Por Carlos Braz 

Estamos no mês de Junho. É tempo de São João, época em que nossa cultura expressa o nosso jeito de ser, transpira pelos poros no chamego do “arraiá” cheio de moças bonitas, no lume da fogueira abençoando o compadrio, nos envolvendo por completo no som da sanfona do zabumba e do triangulo, a santíssima trindade do forró, nas toadas do inesquecível Gonzaga e nas delicias da culinária à base do milho. É a festa que faz nosso coração bater mais forte, mesmo nos tempos sinistros que estamos vivendo.

Chama a atenção dos mais observadores um personagem sempre presente nesses folguedos que se perpetuam no tempo, mesmo com os malefícios trazidos pela indústria cultural, que não desiste de impor padrões que não são nossos. É a figura do cangaceiro, com seu chapéu estrelado de aba quebrada, símbolo maior da terra do sol e seus problemas sociais. Espingarda, cartucheiras,  alpercatas e bornais, completam a indumentária, forte presença em nosso imaginário , que se perpetuou nas diversas formas de arte, entre elas, o cinema.

Se os americanos têm seus “cowboys”, imortalizados na figura de John Wayne, nós temos o nosso Virgulino Ferreira, o Lampião, o imorredouro capitão das caatingas sertanejas, vivo nos cordéis das feiras livres, na obra pictórica de grandes artistas plásticos, em centenas de livros publicados, e no barro modelado pelos artesãos pelos rincões afora.

O cinema, também conhecido como a sétima arte, e posteriormente a televisão, seguiram as pegadas do cordel e dos cantadores de desafio que divulgaram incansavelmente até a contemporaneidade, as façanhas de Virgulino e seu bando. Foi o cangaço que proporcionou ao incipiente cinema brasileiro sua primeira identidade, baseada no regionalismo, com uma estrutura estética, dramática e sócio-política definidas.

 As primeiras imagens dos homens que escolheram a luta como forma de se rebelarem contra a opressão do sistema social imposto latifúndio, surgiram no cinema ainda no primeiro quartel do século XX. Na cidade de Recife foram apresentados dois filmes sem áudio: “Filhos sem Mãe” de Tancredo Seabra (1925), e “Sangue de irmão” de Jota Soares (1927). Em ambos os valentões desgarrados da sorte surgem como figurantes.

Esporadicamente, a figura do cangaceiro foi conquistando espaços nas telas do cinema nacional, como personagem principal, reforçando o estereótipo do bandido desalmado, vingativo e cruel, e sombreando de tons verde e amarelo nossa produção cinematográfica.

Em 1930, com o sertão sob a sanha aterradora de Virgulino, surge “Lampião, a fera do Nordeste” produção de Guilherme Gáldio. A essa altura o “general da caatinga” dominava a cena policial regional, mimetizado em seu meio ambiente, envolto nas “relações sociais” com fazendeiros, jagunços, coiteiros, volantes e coronéis.

Em 1936 o libanês Benjamim Abraão se tornaria famoso ao mostrar o facínora com seu bando em plena atividade em seus poucos momentos de calmaria, imagens que circulam o mundo até os dias de hoje, disponíveis nas redes sociais.

Em 1950 surge “O Rei do Cangaço”, dirigido por Fouad Anderaos, porém é com o lendário “O cangaceiro” dirigido por Lima Barreto em 1953, que o tema ganha visibilidade. O Cangaceiro foi premiado no Festival de Cinema de Cannes, em 1953, como o melhor filme de aventura e recebeu menção especial pela sua trilha sonora.

Filmado em São Paulo a fita apresenta uma narrativa distante da realidade social nordestina, palco da aventura cangaceira, descambando para o drama romântico, o que, todavia, não retira o mérito do seu diretor. Com o sucesso da obra de Barreto consolida-se um gênero que deixou marcas duradouras, capazes  de se renovar e conquistar os que gostam de um bom filme até os dias de hoje.

“Mandacaru Vermelho” de 1961, dirigido por Nelson Pereira dos Santos, também mergulha no universo nordestino e seus códigos morais, contudo, não faz referencias diretas ao cangaceirismo. O “Cinema Novo” do baiano Glauber Rocha estabelece definitivamente o regionalismo e seus conflitos como tema, não se limitando apenas a mostrar a violência daqueles tempos, mas abordando o viés politico, a posse da terra, o poder dos coronéis, a pobreza e abandono dos sertões brasileiros. É o cangaço visto pelas lentes do fenômeno social.

Outros filmes reforçaram o cine-cangaço e sua estética peculiar: “Lampião o rei do Cangaço”, (1962) e “A morte comanda o cangaço” de Carlos Coimbra, “Entre o amor e o cangaço” e três cabras de Lampião (1962) de Aurélio Teixeira. Em 1961 Victor Lima produziu “Os três cangaceiros”. Já a primeira comédia nacional com o tema cangaço foi “O Lamparina”, dirigido por Glauco M. Laurelli exibido em 1963.

Em 1964 surge o “Deus e o diabo na terra do sol” de Glauber Rocha, com atuação histórica de Othon Bastos como Corisco. Explorando novos ângulos de filmagem e movimento de câmera, aliado a uma estética cruelmente poética e dramática ao mesmo tempo, Glauber vira referencia em termos de inovações e sua obra é de fundamental importância para a valorização dos cineastas brasileiros. Na mesma pegada vem “O dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro” (1969). Carlos Coimbra retorna com “Cangaceiros de Lampião, (1967), Miguel Borges produziu, em 1968, “Maria Bonita, a rainha do cangaço” e, em 1969 é produzido “Meu nome é Lampião” de Mozael Silveira.  

“O ultimo cangaceiro” de Carlos Mergulhão (1971), “Jesuíno Brilhante, o cangaceiro” de William Cobbett em 1972, “No Raso da Catariana” (1975) e “A Mulher no Cangaço” (1976) ambos de Hermano Penna. “Até filmes pornôs foram produzidos com o temático cangaceiro: “As cangaceiras eróticas (1974) e” A ilha das cangaceiras virgens” (1976), produzidos por Roberto Mauro. Em 1978 chega às telas “Os Cangaceiros do vale da morte” produção de Appolo Monteiro, já demonstrando o declínio do ciclo cine-cangaço.  

“Em 1983 surge Renato Aragão lançando “O cangaceiro trapalhão”, voltado para o publico infanto/ juvenil dirigido por Daniel Filho; em 1980 surge “O cangaceiro do diabo” de Tião Valadares e “A musa do cangaço de José Umberto”.

A televisão não tardou em perceber o quanto a saga cangaceira rendia dividendos generosos. “E assim, através da TV Globo, a epopeia do cangaço se tornou conhecida por todo o país através da serie que se tornou clássica, Lampião e Maria Bonita”, estrelada magistralmente por Tânia Alves e Nelson Xavier, adaptada por Aguinaldo Silva.

No meio de tantas produções, dos mais variados níveis, não podíamos deixar de citar “A ultima semana de Lampião” de Ilma fontes, realizado pela TV Educativa em 1985, filmada em Sergipe com atores sergipanos. Em1996 tivemos ainda o sucesso de’ O Baile Perfumado, de Paulo Caldas e Lírio Ferreira, e “Corisco e Dadá”. de Rosemberg Cariry.

Com o fim do ciclo cine-cangaço alguns trabalhos aqui citados podem ser encontrados no aplicativo you tube. Seja bandido ou herói, o cangaceiro foi pródigo em expressões visuais, tão apreciadas pelos amantes do cinema, e, certamente tenham sido alguns dos personagens mais retratados na cinematografia nacional, e, enquanto houver o espetáculo das quadrilhas juninas, permanecerá vivo em nossa cultura.

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