Rodoviária Velha: joia modernista no caos urbano de Aracaju

Carlos Braz, 04 de Setembro, 2020 - Atualizado em 04 de Setembro, 2020

 

Rodoviária Velha: uma joia do modernismo no centro histórico de Aracaju

Por Carlos Braz 

O revirar de caixas em um enfadonho dia de quarentena fez-me encontrar, entre fotos antigas e outras lembranças, um cartão postal que me remeteu de imediato à minha infância, rodando pião, tecando bolas de gude, disputando memoráveis peladas no Campo do Tobias e empinando pipas nas areias brancas do Morro do Bonfim, que abarcava uma imensa área que se estendia entre a Rua de São Cristóvão e a hoje Carlos Burlamaqui. Sua demolição deu lugar à imagem do cartão: a Estação Rodoviária Governador Luiz Garcia, marco inicial que abriu caminho para a modernidade, representada em seu projeto arquitetônico, e o crescimento urbano de Aracaju.

 Palco de tantos encontros e despedidas, lágrimas e risos, começo e fim de tantas histórias, caminho obrigatório de milhares de pessoas ainda nos dias de hoje, o terminal teve sua pedra fundamental assentada no dia 5 de dezembro de 1959, sendo inaugurada em 1962. Foi a primeira grande obra estrutural do governo Luiz Garcia (1910-2001). Projeto de autoria do arquiteto baiano Rafael Grimaldi, a estrutura do prédio é composta por elementos peculiares da renovação conceitual proposta por Oscar Niemeyer, e concretizada dois anos antes com a construção da nova capital do país, Brasília.

Esses elementos inovadores são perfeitamente identificáveis na edificação sergipana. São altas colunas paralelas revestidas em cerâmica, azulejos com temática regional, grandes vãos em concreto armado, vidraças imensas que permitem o uso da iluminação natural durante a maior parte do dia, e propiciam grande visibilidade em seu entorno, e suportes externos que remetem de imediato à concepção brasiliense.

Tombado como patrimônio histórico de Sergipe no ano de 2003, o ícone da arquitetura modernista em Aracaju pede socorro, envolto no burburinho característico dos centros urbanos e pelo transito caótico em seu entorno. Sua plasticidade, agora oculta, passa despercebida para os habitantes da capital, bem como pelos viajantes intermunicipais que o frequentam.

Olhar aquela imagem tão bem guardada por tanto tempo, foi o mote para abordarmos a desvinculação cada vez maior entre os cidadãos e o seu patrimônio cultural e histórico, portador de atributos artísticos e depositário de acontecimentos marcantes para o povo sergipano.

Esse processo de dissociativo pode ser observado não apenas em Aracaju, mas também em outros municípios. A deterioração do patrimônio cultural ocorre ante o olhar indiferente dos transeuntes, que, atarefados pela rotina dos dias, perdem aos poucos a capacidade de perceber o espaço público como lugar de memória, portador de importantes elementos identitários.

A Rodoviária velha, como é popularmente conhecida, é uma edificação peculiar, inédita no Nordeste de então, mas, ao longo dos anos tornou-se obsoleta, ante o número cada vez maior de usuários e o vertiginoso crescimento social e econômico de Sergipe a partir dos anos 60, o que tornou necessário à construção de um novo terminal rodoviário, na periferia oeste da cidade, que levou o nome do Governador José Rollemberg Leite.

Desde então, a obra pioneira de Garcia enfrentou um gradativo processo de degradação, provocado pela falta de manutenção e ausência de políticas públicas voltadas para a valorização patrimonial. Hoje, é um mosaico composto por bancas de revistas, lanchonetes, lojinhas de importados e similares, placas publicitárias, gambiarras elétricas e hidráulicas expostas, que compõem um quadro em completa desarmonia com a proposta conceitual da construção, escamoteando seus belos detalhes e transformando essa joia da arquitetura modernista em Sergipe em um cortiço comercial encravado em pleno centro histórico da capital.

Submetido ao ritmo vertiginoso da contemporaneidade, os cidadãos carecem de políticas voltadas para a percepção, conhecimento, valorização e consequente apropriação do patrimônio urbano, ações que possibilitariam sua atuação   como zeladores e multiplicadores da cultura e história do seu lugar. SOS: a Estação Rodoviária Luiz Garcia pede socorro.

 

 

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