A POBREZA EXTREMA E A GASOLINA SUPÉRFLUA

Marcio Monteiro, 23 de Agosto, 2021 - Atualizado em 23 de Agosto, 2021

Os empresários costumam dizer que “não existe almoço grátis” e eles estão parcialmente certos, porque a conta da pobreza é de toda a sociedade que teve a sorte de não ser alcançado por ela. Trata-se de uma conta perene que o erário tem o dever de prover com os recursos devidamente previstos no orçamento geral aprovado pelos deputados a cada nova legislatura.

Sabemos que a gestão do orçamento público requer acesso a recursos ajustados às necessidades de gastos no grau de celeridade requisitados pela atividade estatal. O orçamento estadual deve adequar a previsão de receita às necessidades de cada rubrica, garantindo os recursos demandados pela manutenção da maquina pública, educação, saúde, segurança, assistência social, entre outras. Cada rubrica é uma ferramenta que no conjunto do orçamento geral tem reservado a sua finalidade.

A título de exemplo, a pasta da educação deve procurar alcançar e atender todos os cidadãos em fase escolar. Desta forma, a pasta da educação estará cumprindo o seu papel constitucional de contribuir com a parcela que lhe compete para a quebra do ciclo que alimenta a pobreza. Ciclo que se completa com as parcelas de contribuição das demais pastas que compõem a gestão pública.

Após essa breve e necessária introdução, trago à discussão a Lei 4731 que instituiu em 2002 um tributo estadual com o objetivo de combater e erradicar a pobreza. O fundo constituído para o programa recebe recursos obtidos através da aplicação de dois pontos percentuais sobre determinadas operações e prestações com produtos e serviços, elencados no parágrafo segundo da referida lei. Não bastasse a falta de sentido na origem da Lei, chamou-me à atenção o fato de constar da relação de itens “supérfluos” alcançados pelo tributo, a gasolina e álcool etílico (etanol) anidro e hidratado para fins carburantes. Não parece razoável que tais combustíveis possam ser equiparados em grau de importância e essencialidade a produtos como: cigarros, bebidas alcoólicas, ultraleves, asas delta, embarcações de esporte e recreio, esquis aquáticos e jet ski, produtos eróticos, etc.

A incidência de 2% do imposto sobre a gasolina e o etanol é flagrantemente inconstitucional por considerar esses produtos supérfluos. Por definição, supérfluo é um adjetivo que qualifica alguma coisa que é dispensável, desnecessária ou que tem pouca importância, o que absolutamente não é o caso dos combustíveis tão essenciais na vida moderna. O princípio da seletividade também não foi observado na elaboração da lei, porquanto a Constituição Federal orienta que a incidência em relação ao ICMS requisita definição de alíquotas diferenciadas para produtos e serviços, a depender do grau de essencialidade na vida das pessoas, ou seja, o tributo será inversamente proporcional à sua superfluidade; em suma: quanto mais essencial, menor a alíquota. Logo a alíquota da gasolina não deveria ser a mesma do jet ski.

Em relação à Lei 4731 cabe aqui fazer três questionamentos principais:

1. Gasolina e etanol são produtos de natureza essencial à atividade econômica e social, num país em que o modal rodoviário é, de longe, o mais utilizado e em cuja malha rodoviária circulam 104 milhões de veículos, sendo que os caminhões, representam menos de 4% da frota movida a óleo diesel. Combustíveis carburantes entram na composição dos custos de produção e de frete impactando na composição de preços de todos os produtos e serviços.

2. A extrema pobreza continua aumentando no país, saltando de 5,8% da população em 2012 para 6,5% em 2018, um recorde em sete anos. As razões desse crescimento podem ser atribuídas, principalmente ao crescimento demográfico maior nas camadas mais pobres e a falta de capacidade de adaptação às mudanças tecnológicas no mercado de trabalho. Portanto, mais do que recursos financeiros, essa parcela excluída da população precisa é de assistência integral e acesso a oportunidades de desenvolvimento para inserção na faixa economicamente ativa, que é a única forma sustentável de combater os mecanismos de geração da pobreza e das desigualdades. O quadro de carências que deverá ser agravado pela pandemia em função da perda de ocupação de 12 milhões de pessoas. A verdade é que existirá pobreza enquanto persistirem as crises econômicas, catástrofes ambientais, migrações, pandemia, sobretudo, a falta de políticas de Estado prioritárias.

3. A lei 4731 não cumpre o preceito constitucional da superfluição ao atribuir, por exemplo, à gasolina e ao jet ski o mesmo grau de essencialidade para a sociedade, ou seja, ambos sofrem a mesma incidência de 2%. A pobreza e a extrema pobreza têm efeitos devastadores, por vezes, irreparáveis à dignidade das pessoas. Cumpre ao Estado abandonar as facilidades e ganhos políticos do assistencialismo, trabalhar com metas e investir em ações efetivas, exercendo o indispensável controle social das famílias e comunidades em estado de vulnerabilidade. A eliminação da extrema pobreza no Brasil está longe de ser um objetivo a ser alcançado se consideramos o anêmico crescimento médio do PIB na última década.

A China foi o único país do mundo que conseguiu o feito de erradicar a pobreza extrema. Um esforço que durou mais de uma década, sustentado por elevadas taxas de crescimento (média de 6% ao ano) e uma planificação econômica, que permitiram ao país garantir trabalho digno para mais de 130 milhões de camponeses, população equivalente à metade da brasileira, que migraram do campo para a cidade. O exemplo chinês, guardadas diferenças culturais, políticas e econômicas, serve para demonstrar que quando existe determinação política e metas claras, os resultados aparecem.

Reduzir a pobreza e erradicar a pobreza extrema é dever do Estado utilizando os recursos previstos no orçamento geral e não lançando mão de verba extra. Reiteramos que todas as políticas públicas devem necessariamente ter suporte financeiro no orçamento único e geral do Estado, não fazendo qualquer sentido manter tributo complementar, prática que além de atiçar a criatividade de nossos legisladores, de certa forma restringe o montante de recursos destinados a conter o crescimento dessa quase endemia que não tem data para acabar, que é a pobreza extrema.

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