A maldição das commodities

Por Márcio Monteiro

Marcio Monteiro, 24 de Março, 2022 - Atualizado em 26 de Março, 2022

Toda entidade pública ou privada conta em seu quadro técnico com um economista pronto para realizar análises conjunturais e argumentar com base em dados oficiais, números que favoreçam o desempenho das entidades que assessoram, defendendo bandeiras sem contrariar interesses institucionais. Nada que desqualifique o trabalho do economista, ao contrário, demonstra competência desses profissionais, sem os quais não haveria o debate qualificado, e reforça o entendimento de que um único analista jamais poderia ter a melhor percepção dos fatos entre todas as interpretações possíveis.

Por esta razão, mesmo sendo mais um cidadão comum e não tendo formação acadêmica específica em Economia, acompanho com cautela o fluxo de informações que transitam na Internet, permitindo-me firmar convicção sobre os mais variados temas da pauta econômica do país. Fica difícil para o cidadão que se preocupa um pouco além do que com o seu próprio umbigo, não sentir-se desconfortável em ficar apenas como espectador assistindo o circo político pegar fogo contaminando a economia.

A teoria da maldição das commodities

O Brasil tem sido afetado negativamente no seu desenvolvimento econômico ao não promover o debate técnico qualificado e transparente na busca de soluções sustentáveis para os problemas enfrentados atualmente pela população, sem comprometimento das próximas gerações. Existe uma teoria que indica a abundância de matérias-primas como fator adverso ao crescimento econômico da América Latina, a chamada "maldição das commodities". Foi essa a conclusão a que chegou um estudo intitulado "Recursos Naturais na América Latina", realizado e lançado pelo Banco Mundial em 2010. O banco apontava “... a necessidade de formação de uma poupança de longo prazo para converter parte da renda obtida com recursos naturais em outras formas de capital”. O Estudo destaca outra prática relevante: a formação de fundo de poupança voltado a gerações futuras que também possa ser utilizado para estabilização de preços em períodos de grande volatilidade.

Nesse contexto, os fertilizantes são componentes essenciais na produção de commodities e o Brasil importa 96,5% do cloreto de potássio que necessita para atender o agronegócio, sendo o Brasil o maior importador mundial de potássio. São produtos cotados em Dólar e com alta correlação com preços internacionais, ou seja, quase uma commodity.

Preço de combustíveis e o suprimento de fertilizantes

Duas questões vitais que vinham sendo empurradas com a barriga pelo Congresso agora agravadas pelo conflito entre Rússia e Ucrânia acabaram por dominar o debate e pautar a ordem do dia: o preço dos combustíveis e o suprimento de fertilizantes para a agricultura. Temos ouvido de economistas privatistas, como o próprio ministro Paulo Guedes que diz que a seu tempo o mercado se ajusta no encaminhamento das soluções para esses problemas.  O economista britânico John Maynard Keynes, considerado o precursor da economia moderna, deixou para a posteridade uma célebre e sarcástica frase que atribui a esse tipo de estereótipo de pensamento o seguinte: “No longo prazo, todos estaremos mortos”.

Sabemos que a melhor decisão é aquela que trata com seriedade os efeitos imediatos e danosos do problema sobre a população em geral. Tendo a responsabilidade de que mesmo causando danos imediatos em razão de decisões abruptas, não se inviabilize o futuro das próximas gerações.

O planejamento de setores estratégicos do país deveria ter ficado nos ministérios que tradicionalmente cuidavam disso, como o Ministério da Fazenda, que cuidava da política econômica nacional e da estrutura fiscal; o Ministério do Planejamento que era responsável pelo planejamento de custos e controle do orçamento; o Ministério da Indústria, Comercio Exterior e Serviços (Mdic); e, parte do Ministério do Trabalho. Na prática, o atual Governo reuniu as mencionadas pastas em um ministério super poderoso e engessado.

No início deste Governo, a Petrobrás já estava saindo do mercado de fertilizantes por razões estratégicas da empresa e não do país; paralisando a fabricação de fertilizantes nitrogenados da Bahia e de Sergipe. Com a paralisação da produção de ureia (produto essencial para a agricultura e pecuária). Com a paralisação de inúmeras empresas misturadoras que ficaram reféns do mercado externo para a aquisição de matéria prima e sem se preocupar com o risco do desabastecimento interno.

A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, informou que o investimento total para a operacionalização da fábrica de produção de fertilizantes nitrogenados (UFN3), em Três Lagoas (MS), é estimado em US$ 3 bilhões. A fábrica está 81% concluída e, quando finalizada, terá capacidade projetada de produção de ureia e amônia de 3.600 t/dia e 2.200 t/dia, respectivamente. A Petrobrás vinha negociando a venda da UFN3 com a empresa russa Acron, mas como tudo sempre pode piorar, com a deflagração do conflito no leste europeu, a Acron desistiu do negócio.

A panaceia da privatização

Os combustíveis e os fertilizantes são produtos essenciais à nossa economia, portanto não deveriam ficar à mercê do mercado que possa colocar em risco um eventual desabastecimento. Injusto para com o consumidor que é o acionista majoritário da empresa, representado e controlado pela União. Os economistas liberais costumam citar a privatização das telecomunicações como argumento para justificar que o melhor a fazer é privatizar tudo, sem ponderar com isenção sobre o “sucesso” dessas desestatizações.

Antes do início do processo de cisão da telefonia celular e da privatização da Telebrás, as empresas estaduais de telefonia fixa/móvel foram capitalizadas, realizando grandes investimentos em infraestrutura de rede, interligação nacional através de cabos de fibra ótica (Backbones), construção de torres de transmissão e implantação de minicentrais que possibilitaram a expansão dos serviços e o atendimento de localidades inteiras em questão de dias. Logo, o que permitiu de fato em pouco tempo zerar a demanda por telefone: a entrada em operação da telefonia celular: e, o barateamento e acesso aos serviços, não foi a privatização da Telebrás, foi a partir dos investimentos realizados próximo da privatização e o grande salto tecnológico experimentado pelo setor, avanços que viriam naturalmente sendo a empresa estatal ou privada.

Feitas essas necessárias ressalvas, sabemos que os preços dos combustíveis, a partir da gestão do então CEO da Petrobrás, Pedro Parente, passaram a ser determinados em função do preço internacional do barril de petróleo e paridade do Real frente ao Dólar.

Petrobrás – Um grande posto de gasolina

Essa política de repassar o preço ditado pelo mercado internacional e não o preço em cima do custo efetivo de extração e refino, uma vez que somos autossuficientes na extração de óleo, embora com certa limitação na produção de alguns derivados (diesel e lubrificante), não é justa porque só beneficia o acionista da empresa que recebe dividendos. O sócio majoritário e razão maior da existência da estatal é quem assume todo o ônus do negócio, pagando caro na hora de abastecer seu carro ou comprar um botijão de GLP para cozinhar. O consumidor é penalizado pelo frete embutido no preço, desde uma simples passagem do transporte coletivo a um produto ou alimento essencial.

Em 2021, a Petrobras distribuiu dividendos superiores a U$ 100 bilhões, sendo metade dessa quantia destinada ao seu maior acionista que é a União (Nós). Olhando pela perspectiva da política de gestão do negócio, afirmamos que está tudo tecnicamente correto, no entanto são números muito significativos e injustos para com a população. E como não enxergamos possibilidade de mudanças em relação à dolarização, faz-se necessária a criação de um mecanismo que estabeleça maior previsibilidade na definição de preços, de forma a permitir que consumidores e empresas possam trabalhar com alguma margem de segurança na definição dos custos de suas planilhas, já que a volatilidade tornou-se uma palavra sem sentido quando sabemos que os gráfico de preços só volatiza para cima.

Criado no governo de Ernesto Geisel em 1975, o programa Proálcool desenvolveu o primeiro biocombustível comercial do mundo, álcool hidratado à base de cana de açúcar, porém com o crescimento da produção e a perspectiva de maiores ganhos, transformamos álcool em etanol (commodity). O Governo Federal deveria incentivar o aumento da produção de biocombustíveis, comprando etanol direto das usinas a preço com margem de lucro justa para os produtores e com formação de um estoque regulador, especialmente nos períodos de baixa do preço do açúcar. Estaríamos reduzindo a dependência externa de derivados do petróleo e atribuindo maior sustentabilidade à nossa matriz energética. Somos o segundo maior exportador de etanol e responsáveis por cerca de 30% do comercio mundial do produto, Como diria o Alckmin: “Dá pra fazer”.

Alguém disse que a Petrobras é um grande posto de gasolina e hoje estou convicto dessa verdade. Faltam US$4 bilhões para tornar operacional a Refinaria do COMPERJ, projeto que já consumiu US$10 bilhões. Como não existem compradores interessados, por que então não lançar mão de uma fração dos dividendos (da União) para conclusão da planta, deixando a privatização da UFN3 para um momento mais adequado ao País?

A Petrobras peca em direcionar seus planos apenas no sentido de ganhos futuros; quando deveria primeiro cuidar do presente e reavaliar o seu papel estratégico enquanto estatal que praticamente monopoliza o mercado nacional de derivados de petróleo, revendo a sua política de produção de fertilizantes e não abandonar um setor essencial para a economia nacional confiando que o mercado global será capaz de suprir nossas necessidades.

Afinal, se produzir fertilizantes fosse mau negócio a empresa Proquigel Química não teria arrendado as duas fábricas de fertilizantes nitrogenados (BA e SE). O custo de pessoal e encargos da Petrobras sempre foi alto e não chama tanto a atenção por tratar-se de uma petrolífera. O Acordo Coletivo de Trabalho da empresa contem uma resma de papel de benefícios; as ingerências políticas e as interferências sindicais acabam por prejudicar o negócio.

Sem rumo não se chega a lugar nenhum

O Brasil transformou-se no país das soluções fáceis e assistencialistas, caracterizadas exatamente pela falta de planejamento adequado. Se o Governo controlar atividades de extração mineral com regulação do setor de acordo com as necessidades econômicas de longo prazo; garantir que produtores de biocombustíveis tenham justa remuneração; monitorar preços para que não onerem as cadeias produtivas; e, oferecer incentivos fiscais e financiamento visando gradativamente substituir o consumo de combustíveis fósseis por biocombustíveis na substituição do óleo diesel, e ao mesmo tempo elevando o grau de sustentabilidade de nossa matriz energética. O Executivo Federal precisa voltar a planejar no longo prazo como faziam os ministros de planejamento no período do Regime Militar e não atuar reativamente a crises.

O planejamento, sabemos não ser uma solução por si só, no entanto auxilia a prevenir problemas antes que eles agravem. Confiar apenas no mercado sem planejamento e regulação é uma oposta no escuro. A pandemia e a crise no leste europeu vieram para demonstrar o quanto somos vulneráveis para problemas cujas soluções estão aqui mesmo dentro da nossa casa. O sentimento dos milhões brasileiros em relação à política de preços da Petrobras é de que somos donos de mentirinha da empresa, porque além de não recebermos dividendos, ainda pagamos a conta e assumimos todo o risco do negócio. Ao abandonar o mercado de fertilizantes e estabelecer a atual política de preços dos combustíveis a Petrobrás mira apenas nos ganhos futuros, estratégia que faz com que a empresa perca a sua própria razão de existir.

Faço todas essas considerações não por ser um economista ou especialista em recursos minerais, mas respaldo pelo mestre em economia, Paul Samuelson, que antes de morrer deixou o seguinte recado: “A economia nunca foi uma ciência e nunca será”, penso que essa máxima de certa forma me alivia e absolve de expressar-me livremente sobre temas econômicos que afetam o nosso dia a dia.

 

 

 

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