As Heranças da Gripe Espanhola – 1918. (por Antonio Samarone)

Antonio Samarone, 07 de Julho, 2020

Se estamos surpresos com o desconhecimento da medicina sobre a Pandemia de covid-19, imaginem as trevas sobre a Gripe Espanhola, em 1918. E já vivíamos em plena era bacteriológica.

A gripe ou influenza era conhecida como “catarros epidêmicos” desde o século XVI. Como se achava que a doença vinha dos céus, alguns médicos italianos propuseram que essa desordem provinha da influência das estrelas, e deram o nome de influenza.

Quando a Gripe Espanhola explodiu em 1918, sabia-se apenas ser uma gripe ou influenza maligna. Parte dos médicos acreditava ser decorrente dos miasmas, e de influências cósmicas e geográficas.

Mesmo entre os médicos que já acreditavam no contágio, havia controvérsias sobre qual era este organismo e como se davam sua transmissão e sua ação no interior do corpo humano. Na ausência de uma definição clara sobre o agente causador da moléstia, havia pouco a ser feito.

Sobre a Gripe Espanhola havia a corrente que afirmava ser uma gripe banal, outros a consideravam uma gripe anômala; um terceiro grupo, filiava a moléstia à febre dos três dias, causada por agente invisível e filtrável e transmitida por uma espécie de mosquito; por fim, os que a consideravam uma entidade à parte, distinta da velha e conhecida influenza. Não existia o menor entendimento entre os médicos.

O vírus responsável pela influenza só seria conhecido na década de 1930.

A Gripe Espanhola foi uma tragédia no Rio de Janeiro.

“No Rio, o sujeito ia atravessar a rua, botava o pé no meio-fio com plena saúde e chegava morto ao meio-fio do outro lado. Era fulminante a gripe, os parentes deixavam os mortos nos bondes, pagavam a passagem deles, como se passageiros fossem. Não havia tempo nem lugar para o enterro”. Nelson Rodrigues.

A Gripe Espanhola foi tratada com água de melissa (erva cidreira), sulfato de quinino (a atual cloroquina) e uma mistura de cachaça, mel, limão e alho, que fazia grande sucesso. Depois tiraram o alho, e estava descoberta a caipirinha, o nosso aperitivo mais famoso.

A caipirinha foi a primeira herança da Gripe Espanhola.

A Segunda herança foi a mudança do Carnaval, até então uma festa inocente de fantasias, pierrôs e columbinas, confetes e serpentinas.

Depois da tragédia da Gripe Espanhola veio a esbórnia. O carnaval de 1919, foi de grande animação, e se transformou numa festa pagã ao deus Baco. Onde ninguém é de ninguém, o carnaval virou um bacanal.

A descrição do carnaval de 1919, por Nelson Rodrigues:

“Aquele Carnaval de 1919 foi, também, e sobretudo, uma vingança dos mortos mal vestidos, mal chorados e, por fim, mal enterrados. Ora, um defunto que não teve o seu bom terno, a sua boa camisa, a sua boa gravata é mais cruel e mais ressentido do que um Nero ultrajado.”

“E o Zé de S. Januário está me dizendo que enterrou sujeitos em ceroulas, e outros nus como santos. A morte vingou-se, repito, no Carnaval.”

“Desde as primeiras horas de sábado, houve uma obscenidade súbita, nunca vista, e que contaminou toda a cidade. Eram os mortos da espanhola e tão humilhados e tão ofendidos que cavalgavam os telhados, os muros, as família. Nada mais arcaico do que o pudor da véspera.”

“Natural que, depois da fase mortuária, viesse a fase libertária, ou libertina, basta dizer que as delegacias da cidade registraram a queixa de 4.315 defloramentos e outros tantos casos de abandono do lar, adultério e até incesto."

O Carnaval do Fim do Mundo.

Antonio Samarone. (médico sanitarista)

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