Memórias dos Manicômios Sergipanos – O Adauto Botelho (Por Antonio Samarone)

Antonio Samarone, 14 de Janeiro, 2021

Augusto Franco, o último Governador de Sergipe escolhido pela ditadura, nomeou José Machado de Souza o seu Secretário da Saúde. Uma atitude positiva, pois se conhecia a independência do notável médico.

José Machado de Souza em sua primeira entrevista, ao Jornal de Sergipe, edição de 30/03/1979, utilizou declarações chocantes sobre as condições de funcionamento do Hospital Psiquiátrico Adauto Botelho.

“A situação, hoje, do Hospital Adauto Botelho é mais desumana do que alguns campos de concentração alemães”. O Secretário ficou tão chocado com a visita, que decidiu convidar o Governador recém empossado, para visitar aquele nosocômio.

Decidiu também colocar em funcionamento, de imediato, o Centro Psiquiátrico Garcia Moreno (inaugurado em 1976).

No inicio de 1979, o Hospital Adauto Botelho, dirigido pelo Dr. Carlos Macedo, possuía cerca de duzentos leitos totalmente ocupados.

É importante destacar, que o Adauto Botelho chegou a abrigar mais de quatrocentos pacientes, reduzidos pela transferência de uma boa parte para o atendimento ambulatorial.

Uma curiosidade perversa: duzentos leitos significavam apenas a existência de duzentas vagas, pois o número de camas não passava de cem e o de colchões estava próximo a zero.

Na verdade, os pacientes amontoavam-se coletivamente em lastros de cimento (camas), e boa parte diretamente no chão. A imundice era generalizada nas quatro enfermarias existentes.

O quadro de pessoal do Adauto Botelho contava com oito psiquiatras, um neurologista e cerca de 150 funcionários de baixa qualificação para o trabalho especializado na área de saúde mental.

Os tratamentos continuavam abusando da insulinoterapia e da convulsoterapia por eletrochoque. Não existia plantão médico noturno.

O Adauto, ainda possuía cubículos de isolamento, claustros medievais para os pacientes mais agitados ou para a punição aos mais insubordinados.

Diante da crise causada pela visita do novo Secretário e da ampla repercussão social pela publicidade dada pela imprensa, o Diretor Carlos Macedo encaminhou uma pauta de reivindicações, onde constavam os seguintes pontos:

Criação de plantões médicos de 24 horas; completa reforma da estrutura física do Hospital; criação de um pavilhão neuropsiquiátrico infantil; criação de uma área de neurologia; qualificação do pessoal; transferência imediata de cem pacientes crônicos para o Centro Psiquiátrico Garcia Moreno, em Nossa Senhora do Socorro, criado em 1976.

Uma das reivindicações dos médicos era a transformação do Hospital numa Fundação, com autonomia financeira.

A realidade permaneceu a mesma, foi só um espasmo da Sociedade Sergipana. As condições em que viviam os doentes mentais em Sergipe, amontoados em pavilhões de fezes, presos em solitárias quando estavam agitados e punidos com choques elétricos não sofreram mudanças significativas no período.

A minha turma de medicina, indignada com a realidade, fez uma campanha de arrecadação de fundos, para doar duzentos colchões ao Adauto Botelho. E assim foi feito, tiramos os doentes da “pedra fria”.

Com a Reforma Psiquiátrica, o Adauto Botelho se transformou de presídio de insanos em presídio militar. O Garcia Moreno, manicômio público para doentes crônicos, transformou-se no Cadeião e no presídio feminino.

Na atualidade, os manicômios retornaram com um novo formato e em piores condições. O exemplo mais visível são as “Comunidades Terapêuticas”. Instituições leigas que enxergam na dependência química uma doença moral e apontam os castigos como tratamento.

Antonio Samarone (médico sanitarista)

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