Garcia Moreno, Freud e o Marketing da Odontologia. (por Antonio Samarone)

Antonio Samarone, 05 de Agosto, 2022

 


O anúncio pela imprensa e pelo rádio é objeto de uma atividade especializada, onde os conhecimentos da psicologia têm ampla aplicação. Dizia Garcia Moreno: “O racional e o afetivo, a sugestão e a convicção, tem o seu lugar próprio, a convocação estratégica, na redação de um anúncio.

Uma divagação:

O nome do psiquiatra sergipano João Batista Perez Garcia Moreno é uma dupla homenagem; o “João Batista” refere-se ao avô, Monsenhor João Batista de Carvalho Daltro, e o “Perez Garcia Moreno” ao ditador equatoriano Juan Perez Garcia Moreno.

João Batista Perez Garcia Moreno foi um intelectual vigoroso, psiquiatra, professor, autor do belíssimo livro de contos “Cajueiros dos Papagaios (1959), falou sobre quase tudo. Entretanto, esse texto, analisando um anúncio de jornal com o instrumental teórico da psicanálise, foi para mim uma grande novidade.

Vamos ao pensamento de Garcia Moreno:

“O publicitário fita o mundo subterrâneo do sentimento e das tendências instintivas para impor, de maneira certa e segura, quase irracional, automática, com o império de um estímulo associativo, a sugestão útil e calculada.”

“Quem quiser que manuseie as revistas ilustradas deste doce mês de dezembro, mês dos presentes e dos orçamentos atomizados, e veja as seduções psicológicas dos anúncios.”

Mas não é tais anúncios que ele analisava, eles são muitos evidentes, não demandam a ginástica mental de uma psicanálise. Já o anúncio abaixo, publicado no jornal O Nordeste, de 20/12/1952 – 1ª pag., 3ª coluna é mais discreto.

O.M.L.

“Não decepador de boca, por ser consciente nos serviços de clínica dentária. Especialista no aproveitamento dos dentes, inclusive os condenados ao boticão e a lata do lixo, com rara exceção. Não pagará um centavo, se o trabalho de clínica ou prótese não for perfeito.”

É sobre esse anuncio banal, que Garcia Moreno aplica a doutrina freudiana da psicanálise. Vamos a bela reflexão do nosso intelectual:

“Note-se que castrar e castigo são galhos de uma mesma árvore etimológica. A castração é, pois, o supremo castigo, experimentado e vivido, com suprema angústia, na pré-história da personalidade."

Se a chamada amnesia infantil varre-a do campo da consciência, vai viver, para sempre, na obscuridade do inconsciente, dissimulada mais ardente, como fogo de monturo.”

“Na mecânica psíquica, transmuta-se nas realidades simbólicas. Qualquer mutilação corpórea é um nexo de associação inconsciente que reacende a ansiedade do temor remoto da castração.”

“Psicanaliticamente, a queda dos primeiros dentes tem o sentido vivencial inconsciente de uma castração imposta pela mãe natureza, tão poderosa quanto o pai vingador.”

“Mas a natureza é ambivalente e generosa. Castra, arrancando os dentes. Apiedada, regenitaliza com a segunda dentição. Ao trauma psíquico, da simbólica castração dentária segue-se o momento triunfal da refalização com os novos dentes que repontam, com o sentido exato de natural compensadora prótese genital.”

“Note-se que o dentista do anúncio é castrador e refalizador, um especialista no reaproveitamento dos dentes. O odontólogo dos primeiros tempos, dos passos iniciais da profissão, era o tira dentes, o castrador por excelência.”

“O clássico horror ao dentista mutilador tem uma razão bem mais profunda do que a dor do arrancamento em si mesma. É a revivescência do medo ansioso da castração.”

“O odontólogo moderno, com a sua engenharia de pontes e os recursos da prótese atual, faz renascer no homem aquele menino, perdido de contentamento, com a sua alegria de regenitalizado, no triunfo inefável de quem sente, na 3ª dentição, a realização compensadora e suspirada.”

“Quem repara na expansão jubilosa dos que inauguram uma dentadura nova, anatômica e funcionalmente perfeita, enxerga algo mais do que o prazer do sentimento estético da fachada humana reconstituída ou da fisiologia restabelecida.”

“O dentista é identificado a mãe natureza generosa e apiedada, que regenera, simbolicamente, o pênis e mergulha mais fundo, no inconsciente do homem, o complexo trágico da castração.”

“Prometer no anuncio, não decepar a boca, primeira zona de fixação exógena da criatura, aproveitar os dentes condenados ao boticão, constituem uma projeção de vivências e uma mensagem de maravilhosa intuição, endereçada aos permanentes anseios de refalização do homem.”

Esse artigo foi publicado por Garcia Moreno, numa revista médica de 1953.

Antonio Samarone. (medico sanitarista)

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