A Medicalização do Suicídio (por Antonio Samarone)

Antonio Samarone, 02 de Setembro, 2020

"O suicídio é o único problema filosófico sério.” (Camus).

"Um suicídio, como toda conduta humana, é uma mensagem endereçada à comunidade da qual seu sujeito faz ou fazia parte."

O suicídio é um tema passível de abordagem jornalística, filosófica, sociológica, antropológica, psicológica, médica, jurídica, histórica, política, religiosa, ética etc.

Na maioria das civilizações o suicídio não é bem visto. Porém, certas culturas admitem o suicídio para reparar erros e em casos trágicos ou heroicos...

Na atualidade, o discurso psiquiátrico se apropriou do suicídio.

Até a década de 1820, o debate sobre o suicídio era dominado pela moral. Aqui inicia-se a medicalização. O suicídio deixou de ser visto como uma revolta contra Deus, mas continua um ato ameaçador para a sociedade.

A psiquiatria começou a tomar conta do suicídio no final do século XVIII.

A psiquiatria admite que o fenômeno é multifatorial, não sendo possível se atribuir a uma só causa, mas também, defende que o suicídio está sempre associado aos transtornos mentais, em especial, ao transtorno do humor, como a depressão.

Há controvérsias...

O Concilio de Trento (1545 / 1563) reiterou a proibição absoluta de matar do quinto mandamento. A lei não diz não matarás os outros, mas não matarás. O suicida era enterrado junto aos excomungados e aos não batizados, de todos aqueles que foram excluídos da salvação eterna.

No final do século XV a loucura tornou-se tema intelectual, gerando polêmicas. Brant avaliava que era preciso estar louco para se suicidar, Erasmo, que era preciso estar louco para continuar vivo. Surge a ligação dos suicídios com a doença mental.

Uma passagem do Dr. Fausto, de Goethe, é significativa do dilema sobre o suicídio:

“Meu coração está tão endurecido que eu não consigo me arrepender. Mal posso apelar à salvação, à fé ou ao céu sem que um eco terrível ressoe em meus ouvidos: Fausto, estás condenado ao sofrimento eterno. Então, espadas, punhais, veneno, pistola, cordas e floretes envenenados se oferecem a mim para que eu me mate.”

Até o final do século XVIII, as culturas europeias adotavam como estratégias para a prevenção do suicídio a dissuasão moral, os princípios religiosos e a ameaça de punição, com penas terríveis.

Os médicos tinham prestado pouca atenção aos suicídios no renascimento e mesmo no iluminismo. Contudo, à medida que a profissão psiquiátrica emergia como uma entidade distinta, os autores médicos, no século XIX, começavam a enfatizar que o suicídio era causado pelas doenças mentais.

Esquirol, via o suicídio como o desfecho da monomania. Em 1838, ele declarou: “o suicídio é um ato secundário a uma perturbação emocional severa (délire de passion) ou insanidade (folie)”. Após 1820, o debate moral sobre o suicídio foi secularizado.

O suicídio não tem glamour.

Hoje, os médicos e psicólogos acreditam que o suicídio é um problema de Saúde Pública e que decorrem em sua imensa maioria dos transtornos mentais. Acreditam que esse avanço do suicídio encontra a sua base explicativa nessa explosão das doenças mentais.

No meu entender, apenas transferem a pergunta: e o que está levando a essa explosão dos transtornos mentais?

Cada sociedade tem em momentos definidos de sua história uma determinada disposição para o suicídio e uma taxa de suicídio numericamente particular. Essa variação ocorre no tempo e entre diferentes civilizações. Esse entendimento só é possível pelos estudos sociológicos.

O suicídio é uma ruptura dos laços sociais.

Os sociólogos também pleitem o suicídio para o seu campo de pesquisa, consolidando-se no estudo clássico de Durkheim “O Suicídio” (1897). Durkheim rejeitou que o suicídio fosse primariamente causado por uma patologia individual, defendeu uma causa social de fundo.

Polêmicas à parte, a medicina e psicologia, mais recentemente, assumiram o suicídio e acreditam que podem ajudar na prevenção. Usa-se a dissuasão psicológica e até alguns medicamentos, que a psiquiatria acredita serem eficazes na prevenção.

Do ponto de vista farmacológica as contradições são evidentes: as substâncias psicoativas tanto são responsabilizadas pelo aumento, como pela redução dos riscos. Para ser consistente, se a psiquiatria correlaciona o suicídio com alguns transtornos mentais, bastaria tratar esses transtornos.

Não tenho uma concepção definitiva sobre esse tema.

Ontem começou o “Setembro Amarelo”. Um alerta para o problema, um esforço de mobilização da sociedade para se reduzir a ocorrência dos suicídios.

Antonio Samarone (médico sanitarista)

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