A Hora da Morte... (por Antonio Samarone)

Antonio Samarone, 03 de Setembro, 2020 - Atualizado em 03 de Setembro, 2020

 

A morte está nadando de braçada, pinta e borda, mata quem quer e bem entende. Mata sem lógica e na hora que lhe der na veneta. Não precisa explicar nada.

Uma pergunta tornou-se cada dia mais frequente: logo fulano, novo, saudável, com uma vida de sucesso pela frente, três filhos pequenos, uma esposa adorável, como explicar a sua morte?

Por falar em morrer, liguei para o velho Nonato, amigo de Infância, em Itabaiana.

Nonato de Lau de Mirinda de Zé de Aciole (é assim que o povo é chamado em Itabaiana) sempre foi tirado a engraçado, xistoso, perdia o amigo para não perder a piada.

Nonato encarna o espírito serrano, sempre afeito a gozações. Sem maldade e sem veneno. Nonato é mordaz, espirituoso, irônico, irreverente, ferino, sem chegar ao sarcasmo.

Liguei para Nonato para saber da quarentena.

E aí, ainda está vivo, mal assombrado?

Quem é? Ele perguntou ríspido.

Sou eu, Samarone de Lourdes de Totonho de Bernardino.

Ele se animou: “Estou por aqui, sobrevivendo, não sei como. E não parou mais de falar.”

“A morte está cada vez mais arrogante. Já acordo esperando a notícia: sabe quem morreu? Fulano de tal. E o mais grave, geralmente o defunto estava em melhores condições do que eu, era mais novo, nunca se queixava de nada.”

“Acho que a morte ainda não me levou de sacanagem. Eu só preciso de um assopro! Gordo, diabético, 78 anos, pressão alta e enxergando muito pouco... Com a validade vencida há muito tempo.”

“Parece que a morte que dá plantão por essas bandas é chegada a aventuras, não gosta de defuntos fáceis, não vê graça em matar quem já está com o pé na cova. A morte daqui é sádica.”

“Acho que a morte está me deixando de reserva. No dia que ela não atingir a cota, ela sabe onde me encontrar. Eu tento me defender, todo o dia durmo num lugar diferente, na esperança que ela não me encontre.”

“Mas no dia que ela quiser, já tenho cova pronta, no Cemitério de Santo Antonio e Almas. Perto das covas de Filomeno e Seu Pipita. Uma cova fresca, do lado da sombra.”

Eu atento a prosa dele, perguntei. E por que você não começa a dar umas andadas? Caminhar é bom para a saúde.

“Andar para onde, abestalhado, eu estou com o joelho podre.”

Nonato, você ainda é ateu? “Ateu, ateu, não conheço mais ninguém. O último aqui foi Zeca Cego, morreu há mais de 40 anos.

Hoje Itabaiana está infestada de oportunistas, todo mundo aqui diz que acredita em Deus, pois ele existindo, o sujeito está com a ficha limpa.”

Deixe de brincadeira, amaldiçoado. Eu estou falando sério.

Eu também, respondeu Nonato.

“Meu amigo, a morte passa todos os dias em minha porta. Acho que não vai ter jeito.”

“Daqui a pouco vou ficar sem amigos. Meu coração já está batendo desanimado, as pilhas fracas. Todo dia quando me acordo, agradeço a Deus por mais um dia. Já estou na prorrogação, me lembrou Nonato.”

Desliguei assombrado com a sabedoria de Nonato, aprendeu tudo com a vida. Nunca pós os pés numa escola.

Antonio Samarone (médico sanitarista)

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