Para além das máscaras da Covid-19. (por Antonio Samarone)

Antonio Samarone, 24 de Setembro, 2020 - Atualizado em 24 de Setembro, 2020

 

Ontem quebrei um dogma da quarentena, fui obrigado ir a Shopping. E fui! A sensação foi de estranhamento com os mascarados. Não sabia o que fazer com tantos desconhecidos.

Falo ou não, digo pelo menos um Oi?

A minha alma provinciana estranha o anonimato.

É o rosto que faz do próximo um irmão com que podemos nos identificar e por quem podemos sentir empatia. Os bandidos usam máscaras.

Após a dança dos sete véus de Salomé, ela fica completamente nua. Herodes grita: continue, continue, continue... esperando que ela retirasse o véu da pele.

A burca sanitária além de incomodar, bloqueia os sorrisos. Puxa-se o ar com dificuldades. Acentua uma vontade imensa de coçar o nariz, talvez por ser proibido. Os vírus possui as habilidades dos mosquitos, que quando picam, deixam um veneno que aumenta o prurido?

As máscaras são enigmáticas.

No carnaval os foliões mascarados se sentem protegidos de olhares inconvenientes. Os palhaços, os super-heróis, os carrascos, os cirurgiões e os bandidos são mascarados. Zorro, Batman, Super Homem são mascarados. O Coringa é mascarado. A polícia de choque usa máscaras.

O Bobo da Corte era mascarado!

Freud acreditava que o próprio rosto era uma máscara natural, para esconder o semblante, que espelha a alma. O semblante revela o inconsciente, desnuda o espírito, desvenda a personalidade e o caráter dos desavisados.

O rosto existe para ocultar o semblante! As pessoas bem treinadas enganam à primeira vista.

Por isso que nas sessões de psicanálise, paciente e terapeuta não se olham frontalmente, para evitar enganos e manipulações. O divã é uma proteção.

O semblante é uma porta aberta para a alma e está oculto pelo rosto. O mau uso desse caminho do uso semblante para o acesso a alma, por Cesare Lombroso, levou aos psicanalistas buscarem a porta dos sonhos.

A fotografia capta a imagem em velocidade superior ao olhar humano, sendo possível em momentos raros, captar o semblante dos fotografados, rompendo a proteção do rosto.

Uma pessoa bem treinada controla a musculatura da face, rindo quando deveria chorar e chorando que deveria rir.

Entenderam?

O rosto como máscara natural pode ocultar intenções e estados de espírito dos indivíduos. Talvez por isso, as máscaras artificiais que escondem a máscara do rosto incomodam tanto.

As pessoas ficam com a sensação de impotência para o fingimento. A relação esfria. O problema se agrava no período eleitoral.

A medicina hipocrática procurava captar o semblante dos doentes, que eles chamavam de “facies”, para realizar o diagnóstico. Em algumas patologias era fácil: facies cadavérica, facies leonina, facies cushingoide, facies miastênica, facies parkinsoniana etc.

Bastou uma saída, uma transgressão à quarentena, para perceber que o uso das máscaras da Covid-19 é complicado, mexe com muita coisa. Não se trata apenas de consciência sanitária.

Estou convencido, que o uso obrigatório das máscaras de proteção contra a covid-19, não é uma tarefa que se resolva com multas e punições.

Não me perguntem como resolver. Eu não sei obrigar nem convencer as pessoas a usarem a “proteção”. Uso por disciplina, com profunda má vontade. O buraco é mais embaixo.

Antonio Samarone. (médico sanitarista)

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