O Novo Humanismo Médico. (por Antonio Samarone)

Antonio Samarone, 05 de Outubro, 2020

Perguntei ao professor Valdenberg, um sábio da matemática em Sergipe, qual era o futuro da matemática? Ele de pronto respondeu: a biologia. Eu, além de não entender, fiquei com vergonha de esticar o assunto. Isso faz tempo.

Hoje ficou claro a resposta do professor. A tecnologia de informação, imagens digitais e inteligência artificial tornaram a medicina anátomo patológica de Virchow e Pasteur, uma especulação filosófica.

As descobertas da célula e do microscópio apressaram a queda do paradigma humoral, da medicina Greco/romana, criando a Medicina Clínica do século XX.

O mapeamento do genoma humano (2003), a infinita resolutividade das imagens digitais e a inteligência artificial estão criando a medicina do século XXI.

O paradigma humoral e holístico da medicina hipocrática perdurou por mais de vinte séculos. O paradigma celular durou cem anos. A medicina atual abraçou o paradigma molecular. Por quanto tempo?

A transição será dolorosa.

O que fazer com as Faculdades de Medicina, com currículos do século XIX, inspirados no modelo Flexneriano. E os milhares de médicos crentes em suas casuísticas? E o aparelho médico industrial, produtor de medicamentos, tecnologias e insumos do passado?

A Pandemia apressou o nascimento de uma nova medicina. O Sistema de Saúde Inglês (NHS), o mais avançado do mundo na esfera pública, já incorporou as novas tecnologias, inclusive a tele consulta. A Inglaterra é um bom exemplo!

Dos Presságios aos algoritmos.

A humanização ou desumanização da medicina não é determinada pelo paradigma científico adotado. A desumanização é o resultado da mercantilização, da transformação do cuidado médico em mercadoria. Quem desumanizou a medicina, foi ela ter trocado o paciente (sujeito), pela doença (objeto).

Radicalizando um pouco: não existem doenças, mas pessoas doentes.

A antiga relação médico/paciente, centrada no cuidado das pessoas, era base da medicina artesanal e humanizada. A medicina de mercado, baseada na relação médico/cliente, no consumidor, centrada em procedimentos, com ênfase nas doenças é, ontologicamente, uma medicina desumanizada.

O paradigma científico e as tecnologias utilizadas não são determinantes da desumanização.

A medicina foi desumanizada por imposição da economia. O mercado regula-se pela produtividade e pelo lucro. O cuidado médico em forma de mercadoria é por natureza impessoal, padronizado, independente da tecnologia utilizada.

O fato de a medicina ser humanizada não garante a sua eficácia. A medicina do século XXI deve voltar-se para as pessoas, doentes ou não. É um novo individualismo.

A medicina holística e filosófica do paradigma humoral, fundada na “arte médica”, sarjou, purgou e sangrou por milênios. A única conduta terapêutica eficaz foi a psicoterapia. Egas Moniz recebeu o Prêmio Nobel em medicina (1949), por ter inventando a lobotomia. Isso foi ontem, não foi na Idade Média.

Como velho sanitarista, herdeiro do higienismo de Oswaldo Cruz e Carlos Chagas, sou obrigado a constatar que o futuro imediato do Sistema Único de Saúde, o nosso mal trado SUS, é a incorporação imediata dessas novas tecnologias.

Essa pauta estará nos debates eleitorais?

Pode surgir um novo humanismo médico. A Pandemia forçou esse parto. Ficou claro que a doença é social, ninguém resolve sozinho. As doenças sociais manifestam-se de forma específica em cada pessoa. Essa é a confusão.

Está nascendo um novo coletivismo sanitário, estranho, pois é centrado nas pessoas. Uma medicina personalizada, preventiva e preditiva, eficaz, conscientizadora, defensora da autonomia dos pacientes.

As novas tecnologias médicas tanto podem fortalecer a medicina de mercado, massificada, padronizada, impessoal, como pode retomar ao humanismo da medicina hipocrática, com a vantagem da eficácia e da personalização.

Que venham as mudanças! O novo humanismo médico precisa ser construído. Não é a volta a um passado romântico. É o futuro!

Antonio Samarone (médico sanitarista)

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