O Cio da Cadela. (por Antonio Samarone)

Antonio Samarone, 21 de Novembro, 2021

Após anos, reencontrei um velho contemporâneo da faculdade de medicina. Cumprido os rituais dos reencontros, sentamo-nos para um café.

Passadas as amenidades, o Dr. Aquiles entrou numa questão espinhosa:

“Samarone, por que o bolsonarismo é tão forte em nossa categoria? Como pode uma profissão ontologicamente humanista, voltada para aliviar o sofrimento humano, seguir um dublê de mito, um “duce” tosco e inculto?

O Dr. Aquiles não parava de falar:

“Que os agentes das forças de segurança, os milicianos, evangélicos, os empresários do agronegócio, os rentistas, e sei lá mais quem, acompanhem esse projeto fascista, pode até ser justificado, de uma forma ou de outra, eles são beneficiários do modelo. Mas, nós, médicos, ganhamos o que com isso?”

“O fascismo é um culto a violência, ao irracionalismo, portanto, incompatível com o humanismo médico. A medicina é ciência e arte”, lembrou o romântico colega.

“Não me conformo”, insistiu Aquiles:

“Os médicos sergipanos sempre acompanharam a liberdade e a democracia. Claro que existiam médicos entre os integralistas, na década de 1930; é notório que colegas apoiaram o Golpe de 1964, mas nunca foram maioria. Agora são uma praga!”

Eu fui pego de surpresa com a inquietação do colega. Não sabia nem por onde começar...

“Eu sei, lembrou-me Aquiles, quando as classes médias se frustram, sentem as suas regalias ameaçadas, pela ascensão das classes subalternas, tornam-se um terreno fértil para aventuras autoritárias. É a chamada “ameaça comunista”.

“Mas os médicos não têm motivos para frustações”, sentenciou o Dr. Aquiles. “Os médicos sempre foram conservadores, mas nunca chegaram a tanto.”

“São os hábitos culturais, as pulsões insondáveis ou os instintos primitivos? Samarone, você que gosta de Freud, me explique.”

Achei a indignação de Aquiles exacerbada. Calma colega! Tem muitos médicos na resistência, que não aderiram ao negacionismo. Ele retrucou: “muitos nada, são meia dúzia de gatos pingados.”

Fiz um contraponto: o fascismo não é uma filosofia política, prospera pelo sincretismo ideológico adotado. Não estou minimizando os riscos, apenas ponderando.

Dr. Aquiles se impacientou: “você sabe ou não sabe explicar, deixe de arrodeio.” Eu respondi sem hesitar: Não!

Para não passar em branco, sugeri ao colega a leitura de uma conferência de Umberto Eco, “Fascismo Eterno”, publicada no Brasil em forma de brochura, que poderá trazer alguma luz sobre a polêmica questão.

Confesso a minha douta ignorância!

PS: Claro, a conversa foi particular e Aquiles é um pseudônimo.

Antonio Samarone (médico sanitarista)

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