Dormir é para os Fracos. (por Antonio Samarone)

Antonio Samarone, 04 de Junho, 2022


 

José dos Santos (Zé Pardal, para os mais chegados) é natural dos Saco das Varas. Nascido e criado sem regalias. Aprendeu a ler, escrever e contar na marra, caminhando quase légua e meia de casa até a escola.

Foi tentar a vida no Sul, mas não deu certo. Voltou a Sergipe já maduro. Arrumou serviço numa “Gata” da Petrobras. Deu duro e juntou um dinheirinho. Comprou uma casa no Marco Freire e ia vivendo.

O desemprego chegou há sete meses e o seguro-desemprego acabou. Zé Pardal nunca foi de esmorecer. Arrendou um táxi e foi trabalhar na Praça do Aracaju. “Agora sou um pequeno empreendedor, vivo dos meus esforços. Acabou-se a vida de empregado.” Zé Pardal enfiou o fiofó no carro e danou-se a trabalhar. Cada vez mais.

Zé Pardal endoideceu de vez. Resolveu enfrentar o turno 24/7, que dormir era coisa de gente preguiçosa. Não parava nem para comer, ia beliscando umas besteira. No início, 8, 10, 12, 14 horas por dia. A gasolina cada vez mais cara e o que sobrava era cada vez menos. Zé resolveu se testar: “quantos dias eu suporto sem dormir?”

Pensou Zé: “o Pardal da Coroa Branca passa sete dias acordado durante as migrações, e por que eu não?” Ele não tinha esse apelido de Zé Pardal atoa. Na segunda noite, ele começou a ver visagens, uma alucinação visual de cores brilhantes. Ele fez de conta que não era nada e continuou.

Em experimentos, os ratos morrem após três semanas de insônia. “Eu só quero passar uma semana sem dormir”, disse Zé Pardal. Ele não sabia que o homem não resiste, a insônia induz a psicose, com lesões neurológicas irreversíveis.

Pensou em recorrer as anfetaminas, mas desistiu. “São caras e perdem logo o efeito. Vou ficar acordado na tora”. Numa primeira vez, Zé Pardal aguentou 72 horas sem dormir. Foi encontrado perto do Porto Dantas, dormindo sobre o volante.

Depois foi repetindo a experiência. A sobrevivência foi exigindo mais horas acordado. E ele tentando. Ele soube que nos campos de concentrações nazistas os prisioneiros ficavam acordados por até dois meses. Eles eram colocados em pé num cubículo, iluminação forte, som estridente, choques intermitentes e os pés dentro da água. Alguns sobreviviam.

Zé Pardal botou na cabeça que aguentava pelo menos uma semana sem dormir. E foi tentando. Insistindo! A mulher achava que ele tinha perdido o juízo. Mas Zé, tinha o objetivo que iria vencer na vida como empreendedor. Não aceitava o fracasso.

Zé achava o sono um tempo morto, sem vida, sem produção. “Dormir era para os fracos”, achava ele. A última barreira natural para a completa realização do capitalismo 24/7 é o sono. Ele ainda não pode ser eliminado.

Após várias tentativas de vencer o sono, na última, Zé Pardal chegou ao sétimo dia sem dormir. Ao entardecer de uma sexta-feira, Zé teve uma visão: um anjo anunciou a sua vitória. Você venceu! A glória é o seu destino.

Zé teve uma ideia para comemorara a vitória: comprou meio galão de gasolina aditivada, jogou sobre o que lhe restava de corpo e riscou o fósforo. Transformou-se numa vitoriosa chama incandescentes.

Não entendi: por que o seu limite foi sete dias? Sete foram as chagas de Cristo, sete são os dons do Espírito Santo, sete são as alegrias da Virgem Maria, sete são os sacramentos da Igreja e sete são os pecados mortais.

Ontem, eu compareci a sua missa de sétimo dia, na Capela da Piabeta.

*Antonio Samarone (médico sanitarista)*

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