PASSAMOS NO VESTIBULAR NA DÉCADA DE SETENTA

Gutemberg Armando Diniz Guerra e Manoel Moacir Costa Macêdo

Manoel Moacir, 05 de Fevereiro, 2021 - Atualizado em 05 de Fevereiro, 2021

As reminiscências do curso universitário na Escola de Agronomia da Universidade Federal da Bahia – UFBA, carregam sentidos além das individualidades no campus em Cruz das Almas, nos tabuleiros do recôncavo baiano. São registros coletivos da sociedade brasileira nos anos setenta do Século XX, década que marcou o mundo, como antes e após ela.

​A humanidade presenciou alternativas no viver com paz e amor. Na França, os estudantes e trabalhadores abalaram as estruturas do império francês e chegaram próximos à rendição do poder constituído. Na Alemanha, aquela geração abraçou os destinos do País e denunciou as agruras nos saudosistas do nazismo. Nos Estados Unidos, os protestos pela ideológica guerra do Vietnã abraçaram os direitos civis dos negros no novo sentido político e social. No Brasil, segmentos sociais acolheram a “revolução ou morte” e as transformações chegaram à sociedade. O tropicalista baiano resumiu o sentimento nacional: “é proibido proibir”.

Diferente da Europa e Estados Unidos, onde os jovens tentaram abalar os pilares da sociedade, aqui a luta teve um alcance menor, mas, não menos relevante. A movimentação foi por liberdade. A fase mais dura da ditadura militar. “Anos de chumbo” e “milagre brasileiro”.  Crescimento superior a 10% ao ano com restrições de liberdade e concentração de renda. Nessa contingência, entramos e saímos da universidade. Ao nosso modo, fomos sujeitos revolucionários. Poucos participaram e muitos apreciaram à distância essa aventura. O primeiro ano universitário foi nos campi da UFBA em Salvador, os demais recolhidos no campus do interior, donde surgiram resistências democráticas de alcance nacional oriundas da militância no Diretório Acadêmico Landulfo Alves - DALA.

​Em 1970, o Brasil era um país com noventa milhões de habitantes. Abraçou a conquista do tricampeonato mundial de futebol como “noventa milhões em ação, prá frente Brasil, salve a seleção”. Paixão brasileira capturada pela ditadura militar no “ame-o ou deixo-o”. Quase metade da gente brasileira vivia no campo. Era um país rural, adiante urbanizado com externalidades, pelo êxodo rural. Atualmente, menos de 15% dos brasileiros e brasileiras residem no campo. Nos anos 70, a expectativa de vida não alcançava os sessenta anos de idade. Atualmente, aproxima dos oitenta. Era um país autoritário e retardatário nos indicadores do desenvolvimento. Passados quase meio século, continua apartado das conquistas civilizatórias.

Existiram naquele ambiente universitário, corajosos estudantes vinculados aos clandestinos partidos comunistas e movimentos revolucionários. A massa universitária estava distanciada da luta política do povo brasileiro. Vigia a chamada “Lei do boi” [Lei nº 5.465, de 3 de Julho de 1968], que garantia por cotas a entrada no curso de proprietários rurais e seus filhos: “os estabelecimentos de ensino médio agrícola e as escolas superiores de Agricultura e Veterinária, mantidos pela União, reservarão, anualmente, de preferência, de 50% (cinqüenta por cento) de suas vagas a candidatos agricultores ou filhos dêstes, proprietários ou não de terras, que residam com suas famílias na zona rural [...]”. Privilégio aos bem-nascidos.

Naquela época, para os comuns, era enorme o sacrífico de “passar” no vestibular na única faculdade pública e federal de agronomia na Bahia. Para o cientista social Jessé Souza, estava se formando “uma tecno-burocracia da classe média a ser empregada na economia privada e no aparelho do Estado”.  A reforma agrária era uma necessidade, os latifúndios improdutivos contestados, o meio ambiente e a desigualdade fora de debate. Também não constavam na agenda do curso e nem nas disciplinas das ciências sociais. A ditadura militar atuou em duas frentes. A primeira, na censura, repressão e segurança nacional. A segunda, na intervenção do capitalismo no campo em acordo com a Revolução Verde, a chamada “modernização da agricultura” que ao mesmo tempo era conservadora, pois concentrava terra e riqueza no domínio das classes sociais abastadas. Incentivos à industrialização pela oferta de comida e mão-de-obra baratas. A agropecuária foi o setor responsável por essa estratégia. Organizações estatais foram criadas. A CEPLAC existia cumprindo o papel de fomento, pesquisa, assistência técnica, ensino e melhoria nos cultivos da zona cacaueira. Pesquisa, assistência técnica e crédito subsidiado viabilizados pela EMBRAPA, EMBRATER e bancos oficiais foram prioridades governamentais. O recrutamento dos seus empregados, dispensavam o compulsório concurso público. O notório saber era facultativo. Assim, foram paridos os engenheiros agrônomos da UFBA de 1973 e contemporâneos na década que tatuou a história mundial e brasileira. Como escreveu o poeta moçambicano Mia Couto: “o bom do caminho é haver volta. Pra ida sem vinda. Basta o tempo”.

Gutemberg Armando Diniz Guerra e Manoel Moacir Costa Macêdo, são engenheiros agrônomos

 

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