QUARENTENA VERTICAL (Manoel Moacir Costa Macêdo)

Manoel Moacir, 13 de Junho, 2020 - Atualizado em 13 de Junho, 2020

A história da humanidade é o registro de conflitos, conquistas, poder e domínio de bens, pessoas e posses. Generosidade e solidariedade são exceções. A era imperial assentou a exploração de semelhantes. A barbárie medieval averbou guerras frontais entre criaturas, vidas ceifadas sob golpes frios de espadas e pisadas de cavalos. Guerreiros bárbaros alimentados por sangue de cavalos, como fortificante para sangrentos combates, a exemplo dos temidos mongóis.

O afamado Coliseu, magistral obra da engenharia romana, um espaço de horrores. Torcidas em camarins, apreciavam com hora marcada, a carnificina entre humanos. Peleja da época, delírios de seleta plateia aos que golpeavam com alvo certeiro e sem padecer a vida do próximo - o bem maior da existência. Ao vencedor, o troféu da morte. Emoções na impiedosa arena, masoquistas frente à soltura de humanos à gula feroz de animais selvagens, devorados aos pedaços por famintos leões, no instinto selvagem de comida pelo maior predador da cadeia alimentar. Humanos “comidos” por feras apenas por serem cristãos ou excomungados por pecado ou injúria. No contar temporal da humanidade, esses horrores não estão distanciados do atual status quo. “Não há justiça na história”.

No correr da humanidade, predominam agruras imperiais, antecedentes do estado-nação e vinculados à contemporaneidade. Morreram mais de cem milhões de pessoas em tragédias e conflitos no século que a pouco se foi. Na brasilidade, está grudada a herança da escravidão negra. Humanos marcados a ferro e fogo, vendidos, vilipendiados de tudo, destituídos de alma e negociados em sanguinário comércio pela espessura corporal, altura, abdômen, braços e pernas, apenas por serem negros. Reproduções de crianças negras para serem vendidas como escravos. Colônias africanas libertas pelo martírio da guerra civil na metade da década de setenta. Evidências da brutalidade humana. Com tanta desumanidade, ainda carece de tempo a prosperidade, a justiça e o humanismo.

As pandemias seguem o rumo da história. No passado elas se resolviam sozinhas, contaminavam, matavam e sumiam. Inaceitável pela ética das sociedades modernas. Elas não sacrificam todos por igual, pesam desigualmente para os vulneráveis, vítimas da pobreza e da miséria. A quarentena da Covid-19, pode ser segmentada em “quarentena horizontal, vertical e sem quarentena”. Diferenças na engenharia, na contabilidade e na sociologia. O coronavírus não atacou igualmente os seus hospedeiros. Ele seguiu os caminhos da desigualdade. Os ataques foram em distintos endereços. Inicialmente atacou os endinheirados, que transportaram o vírus do exterior e infectaram os nativos. Como desiguais, foram protegidos, acudidos e sobreviveram. As mortes multiplicaram-se velozmente nos endereços da periferia, dos pobres, esquecidos, abandonados e invisíveis. Vítimas do colapso do sofrível sistema público de saúde.

Os sofreres na pandemia são diferenciados. A quarentena é compulsória como a única terapia. Elas são estratificadas e desiguais. A quarentena da minoria em mansões de condomínios horizontais e apartamentos sofisticados de condomínios verticais. Não estão incluídos na verticalidade, as favelas e os prédios populares e periféricos, mas os luxuosos à beira-mar, beira-rio, beira- parque, beira-lago e beira-avenida. A quarentena vertical, é separatista na essência. Egoísta na segregação. Seletiva nos relacionamentos. Autoridades em vez de vizinhos. Interesses ao invés de camaradagem. Opaca por fora e colorida no interior entre alvos e negros. Viver de cima para baixo num aglomerado vertical de solidão. Superioridade e arrogância sobre os de baixo. Expressões da consentida e injusta desigualdade social brasileira.

O sonho de uma humanidade coletiva, piedosa e inclusiva após a Covid-19 é improvável. Caminho longo a percorrer. Um por vir na desejada transição planetária. Curar primeiro a si, a seguir o próximo e adiante a humanidade. Reformar-se primeiro. A história prospecta para o presente, as referências do passado com as adaptações do seu tempo. Para o cientista social Zander Navarro, “não haverá uma nova sociedade, com o fim da globalização e do neoliberalismo, substituídos por comportamentos mais humanos e caminhos alternativos para seguirmos. O pós-pandemia produzirá mais desigualdade, regulação, desemprego e aprofundamento da dominação geral pelo capital”.

 

Manoel Moacir Costa Macêdo

Engenheiro Agrônomo e Advogado

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