AGRONOMIA: É PRECISO MUDAR! por: Manoel Moacir Costa Macêdo e Zander Navarro

Manoel Moacir, 09 de Outubro, 2020

Louvores à performance da agropecuária brasileira. Um caso ímpar de sucesso. O setor que produz, emprega e mantém o crescimento da economia. Em menos de cinquenta anos, o Brasil passou de importador para exportador de alimentos. A fome persiste, pela desigualdade de renda que limita os pobres em adquirir alimentos na quantidade recomendada pela Organização Mundial de Saúde - OMS. Uma contradição inaceitável entre a expressiva produção de alimento e a persistente fome e desnutrição.

Entre outros atores, iguais louvores aos engenheiros agrônomos nessa aventura vitoriosa. Uma profissão regulamentada pela Lei 23.196, de 12 de outubro de 1933, há pouco menos de um século e comemorada nesse dia, como o “Dia do Engenheiro Agrônomo”. Definidos então comoprofissionais capacitados para “realizar análises científicas, identificar e resolver problemas, operar, modificar e criar sistemas agropecuários e agroindustriais”. Fazia sentido: a sociedade era rural, os latifúndios improdutivos, a propriedade da terra destinava-se à especulação, a grande agricultura vivia do café e do açúcar, a pequena produzia para o autoconsumo e a pecuária era extensiva. Ainda existiam os rastros da escravidão e do coronelismo. A reforma agrária estava em pauta.

Na formação dos engenheiros agrônomos predominavam as disciplinas com foco geral, espelhando o contexto da época:  agricultura, zootecnia, silvicultura, engenharia rural, desenho, topografia, mecânica agrícola, estatística experimental, genética, melhoramento de plantas e química agrícola, entre outras. Posteriormente, surgiram as disciplinas de conteúdo específico, a fruticultura, biotecnologia vegetal, bioquímica dos solos, hidroponia, planejamento e gestão do agronegócio, horticultura, sociologia e extensão rural. Eram profissionais centrados na lógica única e linear da produção, desvinculados da unidade da “produção, circulação, troca e consumo”. Pequenas eram as preocupações com o comportamento dos produtores e suas decisões e, menos ainda, com o protagonismo dos consumidores. E não se falava em temas ambientais.

Atualmente, tudo mudou. Além do protecionismo e o acirramento da concorrência, muitos outros desafios estão postos à produção agropecuária brasileira. De um lado, um mundo rural crescentemente mudado, além das transformações nas cadeias de valor. Do outro, um mundo urbano consumidor e demandante de alimentos saudáveis. Um outro modo de produzir e distribuir os alimentos. As pressões sociais ultrapassam o lucro e a produtividade para incluir a sustentabilidade, a inclusão social e até a redução das desigualdades. Uma revolução agrícola lastreada na chamada “saúde única”.  Arena exigente de inovações tecnológicas, algumas estabelecidas de “fora da porteira da unidade rural”. A terra, o tradicional fator de produção, diferente de inovação, contribui com menos de dez por cento da produção agropecuária brasileira. A logomarca dos engenheiros agrônomos mudou do arado de aiveca de tração animal para o trator com alta densidade tecnológica embarcada, guiado à distância e sem motorista.

As exigências dos novos sistemas de produção agrícolas nas “várias agriculturas”, desmembrou no tempo curto as atribuições tradicionais do engenheiro agrônomo para profissões especializadas. Atividades antes ocupadas exclusivamente por esses profissionais são agora delegadas para a administração rural, engenharia agrícola, ambiental, florestal, agrimensura e de alimentos, entre inúmeras outras especializações. Transformações velozes e radicais no modo de viver e produzir da humanidade. Nos papéis do engenheiro agrônomo não poderia ser diferente.  Em consequência, surgem as inevitáveis questões: “A formação do engenheiro agrônomo corresponde às demandas de uma agricultura financeirizada e baseada em ciência?”. Os engenheiros agrônomos estão habilitados para atuarem num mundo digital e sustentável? Qual o perfil curricular apropriado para atuar em uma agricultura de extrema complexidade, inserida em contradições sociais com enormes desigualdades?’.

Quão difícil é reformar conceitos e labores com história, sentimentos e conquistas. A força das corporações, os interesses privados e os apetrechos mentais dificultam apreender as transformações em curso na sociedade e nas agriculturas. Inerciais, os currículos acadêmicos não se renovam em similar velocidade às demandas dos sistemas produtivos. Transgenia, clonagem, alimentos funcionais, internetdas coisas, agricultura de precisão, mapeamento de genomas, empreendedorismo dos produtores rurais, mudanças climáticas, pandemia e “saúde única”, não são mais utopias, mas fatores de produção em uso e determinantes na produção capitalista da agricultura.

O futuro chegou. Do antigo e algo romântico engenheiro agrônomo, profissão masculina, dos mais fortes, resistente às intempéries e limitada à fronteira da propriedade rural, para alguns restam as saudades de um tempo tão diferente, um Brasil rural que deixou de existir. Parabéns ao engenheiro agrônomo pelo seu dia.

 

Manoel Moacir Costa Macêdo e Zander Navarro são engenheiros agrônomos e PhDs pela University of Sussex, Brighton, Inglaterra

 

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