RAIMUNDO DO VÃO DO CATUMBÁ por Manoel Moacir Costa Macêdo

Manoel Moacir, 14 de Maio, 2021 - Atualizado em 14 de Maio, 2021


“Sonhos, coragem, trabalho e conquistas: uma trajetória”, obra escrita com força, sinceridade e emoção pela pena de Raimundo Alves Araújo, autor e protagonista. Uma história pessoal, familiar, acadêmica e profissional do nascer pobre, as primeiras letras nas escolas rurais alcançadas a cavalo, ao primeiro emprego como “distribuidor de folhetos” nos semáforos da capital do Brasil, e ao sucesso em expressivos desafios dentro e fora do Brasil.

Não se trata de um relato cronológico e existencial, mas de um manifesto de amor à sua terra, a família, aos amigos e as origens. História de mobilidade de raros nordestinos, análoga por exemplo, às minhas identidades. Colegas por décadas na Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - EMBRAPA, eu na província, no interior, ele na Corte, no centro.  Experiências de vidas equivalentes, mas visões sociais distintas, o que faz a completude. Ambos paridos em modestos municípios nordestinos, alçados pela mobilidade social para organizações e tarefas estratégicas.

Os fatos da vida não são sonhos, coincidências ou o acaso, mas encontros traçados com a interferência invisíveis dos deuses. Como escreveu o dramaturgo inglês, o genial Shakespeare: “há quem diga que todas as noites são de sonhos. Mas há também quem diga nem todas, só as de verão. Mas no fundo isso não tem importância se o que interessa mesmo são as noites em si, são os sonhos que o homem sonha sempre em todos os lugares, em todas as épocas”.

Raimundo, nasceu no Vão do Catumbá, distrito rural de Colinas, estado do Maranhão, cujo nome vem de “emaranhado”. Sofrida labuta para sobreviver numa extensa e pobre família. No seu dizer simples, mas cheio de sentidos: “as atividades econômicas eram poucas. Os moradores em geral praticavam, e ainda praticam a agricultura de subsistência. Há ainda o trabalho das quebradeiras de coco babaçu e a prestação de serviços por dia de trabalho. A atividade de vaqueiro nas fazendas da região também era bastante comum”. Um subalterno das classes dominantes, algemado por oligarquias nordestinas protegidas por “cercas e secas”, tal qual a minha singela Rio Real, Bahia, outrora Barracão, esquecida tanto quanto o Vão do Catumbá.

Na obra, o autor expressa a gratidão aos seus familiares e o sentimento celestial de “honrar pai e mãe”. Valores de cores nobres e incomuns entre próximos e distantes. A gratidão é a assinatura divina em sua obra. Para ele “as orientações dos meus pais e de minhas irmãs, todas com mais idade que eu, foram muito importantes para o redirecionamento dos meus sonhos com relação a minha vida profissional. Sei que se tivesse me tornado um vaqueiro, teria exercido as funções com disposição e responsabilidade, embora saiba que as dificuldades teriam sido grandes”. Uma consentida predestinação perante o destino da vida. Concordamos na mobilidade e discordamos na resignação. As injustiças sociais, não são divinas, mas humanas. As escolhas não tem apenas os caminhos à direita ou à esquerda, mas a devoção por uma sociedade solidária, ungida pela piedade, misericórdia e equidade com o outro.

Raimundo é da terra de literatos da brasilidade. Do romantismo de Gonçalves Dias, ao modernismo de Ferreira Gullar do “Poema Sujo”, e das expressões da arte, da música, do folclore e da dança que o Maranhão guarda na gente, na ginga e nos singulares azulejos. Maranhão da “Balaiada”, brava revolta popular. Ainda é tempo de escutarmos as vozes do maranhense José Sarney, que em sua biografia, revela que “o comunismo e as ideias marxistas o fascinavam pela dimensão generosa de seus conceitos”. Para Fernando Pessoa, “assim como lavamos o corpo devíamos lavar o destino, mudar de vida como mudamos de roupa”.

Raimundo Araújo, não foi um predestinado vaqueiro, como o seu genitor, nem um vendedor do dia de trabalho e nem escravo da mais-valia-absoluta, como vários dos conterrâneos nordestinos. De subalterno, alcançou conquistas na EMBRAPA e fora dela. Evidências de como a educação transforma e coloca a gente simples e do povo em competição com os bem-criados da desigualdade social. Referência de determinação, coragem e crença no futuro. Fustiga a minha mente e coça a garganta o grito abafado no coração: Raimundo, com tanto sofrimento, subalternidade e injustiça na própria pele, por que não seguiu a radicalidade da mudança social? As respostas estão na obra com detalhes e emoção.  

[Araújo, Raimundo Alves de.  Sonhos, coragem, trabalho e conquistas: uma trajetória. Brasília: SQS Editora, 2021].

 

Manoel Moacir Costa Macêdo, é engenheiro agrônomo e advogado.

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