MUROS, PONTES E TRAVESSIAS por Manoel Moacir Costa Macêdo

Manoel Moacir, 07 de Janeiro, 2022 - Atualizado em 07 de Janeiro, 2022

Na geografia da reencarnação terrena, reencarnei em Rio Real, Bahia, uma divisa gêmea com o estado de Sergipe. A chagada aconteceu em casa pelas mãos de uma parteira. Além do choro fui anunciado pelos sinos da missa dominical de Nossa Senhora do Livramento, em 12 de dezembro de 1954, às nove horas da manhã. O primogênito de uma família de seis filhos. Pai baiano de Itapicuru e mãe sergipana de Itabaianinha. Ambos rurícolas, modestos nas letras, mas sábios nas lides da vida. Abraçaram a educação dos filhos como o maior bem da existência. Para minha mãe “eu nasci homem”. Nunca processei em essência essa afirmativa materna. Orientação católica em valores e práticas. Primeira comunhão, catecismo, missa, terços, santa missão, coroinha e membro da “Ala Juvenil”.

          Estudei o curso primário na escola estadual Marquês de Abrantes e o ginasial na Campanha Nacional de Educandários da Comunidade - CNEC em Rio Real, os únicos da cidade. Os serviços e estruturas eram públicos e coletivos. Cursei o científico no Colégio Estadual Severino Vieira, em Salvador, onde convivi à distância com colegas da elite baiana. Uma separação entre o “tabaréu do interior e o letrado da Capital”.  Época de ouro do ensino público. Concluído o ginasial e o científico com distinções, não por mérito mas por medo de reprovação e promessa de retornar ao trabalho rural.

         A vocação desabrochava para o concorrido vestibular ao curso de direito na Universidade Federal da Bahia - UFBA, única universidade pública do Estado. Leitura, escrita, sensibilidade social e política assentavam os meus quereres. Adiante fui contaminado pela utopia marxista. A sobrevivência, a carência de orientação e a identidade rural conduziram ao vestibular de agronomia na UFBA. A única referência era de “ouvir falar” de um conterrâneo que “passou no vestibular de agronomia”. Arrumar um emprego era o que importava. A advocacia estava reservada aos poderosos da “Casa Grande”. Curso de direito realizado nos anos noventa, mais como terapia e menos como profissão. Aprovado no vestibular de agronomia, um memorável feito naquele lugar. Até o ano de 1973, não recordo de outro conterrâneo oriundo da escola primária e do ginásio rio-realenses a cursar a universidade.

             Os dois semestres iniciais foram no campusda UFBA em Salvador e os seis profissionalizantes no campus de Cruz das Almas. Jamais imaginei trabalhar e viver em Cruz das Almas, mas assim aconteceu. A obsessão era o Estado de Sergipe, o acolhimento familiar e o meu Rio Real. Contratado pela então Empresa de Pesquisa Agropecuária da Bahia - EPABA e lotado na EMBRAPA Mandioca e Fruticultura em Cruz das Almas. Antes de receber o primeiro salário mensal, fui abatido por uma grave enfermidade. Após três meses de sofrimento, alvoreceu um novo ser na existência material e espiritual. “Dores e provações” continuam no “currículo da universidade da vida”. Incorporado aos quadros da EMBRAPA, empresa federal, distanciada das pressões locais, casei com uma cruzalmense, filha de um tradicional comerciante da cidade. Uma companheira de mais de quatro décadas. União que gerou uma filha, publicitária e professora universitária. Pelas vias curvas da agronomia, alcancei a identidade profissional, o sustento material, a inserção social e o amor de minha vida terrena.

Desde o curso de graduação, tenho atuado como monitor, estagiário, pesquisador, professor, consultor e dirigente em organizações de ensino, ciência, tecnologia, agropecuária, desenvolvimento, previdência social, fundos de pensão e voluntário. Jamais distanciado das ações da cidadania. Iniciado como pesquisador na EPABA e a seguir na EMBRAPA onde permaneci até a aposentadoria. Além de pesquisador, abracei os desafios da gestão e do ensino universitário em diferentes lugares, alguns distantes do Nordeste querido. Publiquei artigos técnicos e científicos em jornais, congressos, seminários, periódicos e escrevi livros de metodologia científica, direito previdenciário, ciência política, poesias e crônicas. Realizei os cursos de mestrado e PhD, respectivamente na Universidade Federal de Viçosa - UFV e na University of Sussex, Brighton, Inglaterra. No curso de graduação, participei do Diretório Acadêmico Landulfo Alvas - DALA e no percurso profissional na Associação de Engenheiros Agrônomos da Bahia - AEABA, na Associação de Engenheiros Agrônomos de Cruz das Almas - AEACA e na Associação de Estudantes de Pós-graduação - AEPG na UFV. Tempo de restrições de liberdade, medos e ameaças.

             Alguns desafios profissionais foram marcantes e inesquecíveis. A docência por quase duas décadas na Universidade Católica de Brasília - UCB e na Fundação Getúlio Vargas - FGV. O entusiasmo e idealismo de dirigente na EMBRAPA Mandioca e Fruticultura, na chefia de gabinete da Empresa de Turismo da Bahia S.A. - BAHITURSA e na coordenação de Desenvolvimento Agrícola - CODEAGRI da Secretaria de Agricultura do Estado da Bahia. A gestão na EMBRAPA Defesa da Agricultura em São Paulo, na chefia de gabinete da presidência da EMBRAPA, na coordenação de um programa de desenvolvimento sustentável com a Organização das Nações Unidas - ONU, na assessoria no Senado Federal e na presidência do fundo de pensão dos empregados da EMBRAPA, EMATER-MG e EPAMIG de Minas Gerais e EPAGRI e CIDASC de Santa Catarina em Brasília. Guardo com imensa satisfação a modesta contribuição ao turismo agroecológico em Lençóis, Bahia, a prospecção de artistas da periferia de Salvador e a instalação do primeiro escritório de extensão rural numa estação experimental no interior baiano. Tenho similar satisfação pelas ações inéditas no Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar - PRONAF e na criação da EMBRAPA Meio Ambiente, ímpares exemplos na agricultura familiar e na pesquisa ambiental brasileira.

Agradeço as vivências pelo Brasil, América Latina, Estados Unidos, Europa e as parcerias com organizações internacionais como o BID, BIRD e Banco Mundial, entre outros. Um sonho da juventude rebelde foi concretizado nos anos noventa: a visita a Cuba e o encontro com o seu grande líder. Faltava a passagem pelo setor privado, que aconteceu como consultor de um banco corporativo em São Paulo. Muros, pontes e travessias numa trajetória encerrada, após mais de um dúzia de estadas em diferentes cidades, estados e países, como dirigente da EMBRAPA Tabuleiros Costeiros em Aracaju, SE em 2018, onde entre outras contribuições, foi disponibilizado o território produtivo do SEALBA - Sergipe, Alagoas e Bahia.

A vida é uma contínua trajetória em suas múltiplas dimensões. Em novas trincheiras, atuo como voluntário no movimento espírita e articulista em jornais, rádios e revistas.  Uma agenda densa, sem culpa e sem saudosismo, mas feliz por ter cumprido com honestidade, dedicação e generosidade de “amigos-do-coração” as tarefas em prol da sociedade em sua amplitude coletiva. Ao final, a vida material moldou a minha consciência.

Manoel Moacir Costa Macêdo é engenheiro agrônomo e advogado.

 

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