SEPARAR O JOIO DO TRIGO por Manoel Moacir Costa Macêdo & Manoel Malheiros Tourinho

Manoel Moacir, 18 de Fevereiro, 2022 - Atualizado em 18 de Fevereiro, 2022

A ciência é uma instituição restrita a hermética comunidade científica e redes de acadêmicos e intelectuais. A ciência não é subjetiva, mas uma instituição social para tantos filósofos da ciência, como Gérard Fourez. Esse hermetismo faz da ciência um fetiche nos países periféricos, como o Brasil, onde os investimentos e incentivos às inovações tecnológicas, são reduzidos e inacessíveis às demandas da sociedade. É preciso mergulhar numa crise, para se dar conta que no País existem organizações públicas em ciência, tecnologia e inovação. A pandemia trouxe para as ruas a ciência brasileira numa dialética do uso de vacinas e práticas obscuras e negacionistas. Houve um movimento Coperniano à favor da imunização em massa. Diga-se de passagem, a vacinação é a síntese resultante do processo crítico.

De forma surpreendente a ciência ultrapassou os blindados muros e chegou aos jornais, televisão e ao público em geral, ensejando uma oportunidade de enfrentar o negacionismo, na via do desenvolvimento de vacinas da Covid-19 no menor lapso temporal e inéditas metodologias. Pariram nesse ínterim “falsas controvérsias” em supostas investigações científicas, quase sempre acoitadas no ventre de pesquisadores acomodados em organizações científicas da pesquisa e ensino, acreditadas pelo the state of arts. Recentemente denúncias de supostas fraudes foram às ruas, batendo forte nos muros blindados de uma das catedrais santificadas do conhecimento científico brasileiro e agropecuário que influenciaram na “elaboração de políticas ambientais e de saúde”. A contestação foi divulgada na referenciada revista acadêmica Biological Conservation por uma dúzia de respeitados cientistas, de outra catedral geradora de conhecimentos científicos universais.

A ciência para se estabelecer, requer alguns fundamentos da filosofia e da ética que assegurem credibilidade aos resultados. É necessário o pesquisador ter humildade e articulação entre a ética, a moral e os resultados científicos.  A Natureza, objeto de prospecção da ciência, é tão especial nas suas leis, construção, evolução e presente que muitas afirmações são falsas, incompletas ou assumem propósitos pessoais, como aquelas que visam dizer aleluias ao status quovigente. Para se entender a Natureza, no atual panorama de restrições ao uso dos recursos naturais, as suas epistemologias são inadequadas, reduz o campo de observação e expande as inferências. Indo mais adiante, a ciência abrange problemas e hipóteses robustas, referencial teórico apropriado, metodologias e teorias generalizadas para alimentar as buscas, resultados e discussão dos achados, “rejeitar ou não-rejeitar as hipóteses previamente formuladas e a publicidade. Tudo isso instrumentalizado por cientistas acreditados e treinados em universidades e centros de pesquisas de excelência, reconhecidos e referenciados pelos pares. Universidades distinguidas, publicações em revistas científicas ranqueadas e expostas às comprovações, repetições e vinculações em organizações de prestígio nacional e internacional, substantivam o padrão do cientista e a credibilidade e qualidade das entregas.

Na linguagem científica, isso quer dizer, seguir o paradigma vigente na chamada “ciência normal” e no positivismo científico. Não quer dizer que não cabem ataques e questionamentos, a exemplo da neutralidade científica, mas limitados à “lógica em uso” do método científico. A mudança de paradigma não acontece por uma decisão autoritária, mas pelo convencimento da comunidade científica e evidências do paradigma-substituto numa “lógica reconstruída”. O ethos da ciência opera num sistema integrado entre cientista, organização de pesquisa e resultados úteis e confiáveis. Uma espécie de controle invisível exige do cientista o “desinteresse”, ou seja a “utilização dos mecanismos da comunidade científica e não os individuais. Os cientistas rejeitam às possibilidades de fraudes”. O julgamento das referidas “falsas controvérsias” deve acontecer ao menos em três tribunais. No tribunal da ética, ritos e penas da comunidade científica. No tribunal das entidades fiscalizadoras do exercício profissional e ao final no tribunal das organizações onde os cientistas estão vinculados. É preciso nascer o entendimento de que conhecimento oriundo de organizações públicas não devem ser vendidos, sejam de empresas ou universidades e menos ainda capturados por vantagens pessoais.

Não são neutras as relações entre as “falsas controvérsias” e as externalidades na legislação ambiental, na produção agropecuária, na flora e fauna, na vida humana e animal e no meio ambiente. Elas não são “erros do tipo um e dois”, próprios da prática científica, mas interesses entre “quem ganhou e quem perdeu”. Elas não representam o conjunto das organizações científicas, com qualificados colaboradores, a exemplo de habilitados dirigentes e devotados cientistas. O aguardado são os esclarecimentos, sob pena do silêncio obsequioso nivelar todos por igual. Isso não é aceitável. Para o filósofo Alan Watts a “nossa sociedade não é materialista, mas idolatra as aparências. Na sociedade das aparências, a essência se perde”. Urge “separar o joio do trigo”.

 

Manoel Moacir Costa Macêdo e Manoel Malheiros Tourinho são engenheiros agrônomos.

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