PAIXÃO DE CRISTO, NOSSA PAIXÃO

Por Jerônimo Peixoto

Jerônimo Nunes Peixoto, 02 de Abril, 2021 - Atualizado em 02 de Abril, 2021

PAIXÃO DE CRISTO, NOSSA PAIXÃO

De Belém a Nazaré, em meio aos perigos e ameaças de morte, Jesus-Menino não conheceu a hora, embora envolto em tormentos cujas razões sua infância não permitia conhecer. Passar pelo Egito foi fato inusitado, sem qualquer relação com a pacata Nazaré onde se criou, familiarizado com a vizinhança e com a carpintaria do Pai José. Trajetória insana para uma criança que, sem fazer mal algum, já nasceu na periferia da história, pois não conheceu lugar na hospedaria. Esta custava caro. Sem cobre, não poderia ter acesso a qualquer conforto, mesmo na iminência de vir à luz.

Se as agruras da infância o fizeram diferente, seu proceder, na família e na Vila de Nazaré era o de um menino normal, afeito às estripulias e divertimentos comuns à época. Obediência e diálogo, porém, distinguiam-no dentre os demais, mas sem qualquer alarde de um feito extraordinário. Paulatinamente, fora aprendendo a Lei, o caminho da sinagoga, a partir dos doze anos, quando passou pelo rito da circuncisão como bom judeu piedoso de família cumpridora dos preceitos religiosos.

  1. Ah! A aventura do Templo, quando se meteu numa reunião de Mestres e Doutores da Lei, causou perplexidade aos conhecidos, sobretudo aos pais, com aquela intrigante resposta: “não sabíeis que devo me ocupar das coisas de meu Pai”? Que coisas, meu Deus, pensaram José e Maria... o que viriam a ser as coisas do Pai? De volta à casa onde residia, vida corriqueira, sem qualquer novidade, tanto é que nada do que ali se passou fora registrado por curioso algum.

A morte de José, certamente uma “dormitio” (dormição à semelhança de Maria), já que Mateus dele fala com atributos de justo e santo, o jovem presenciou pranto, luto e serenidade. Nada de desesperos, pois a fé o faz superar qualquer barreira. Mais tarde, compreenderia o verdadeiro sentido da mudança de estado de vida: “para quem crer, a vida não é tirada, mas transformada...” Outras provações, ainda maiores e mais desafiadoras, haveria de as enfrentar. Assim é a vida: um aprendizado infindável, até que o último suspiro seja dado. Mais tarde, vê-lo-emos a rezar com o salmista: “Pai, em tuas mãos, entrego o meu espírito” (Sl 31).

Uma inquietude repentina lhe invade a mente, convidando-o a trabalhar a restauração das práticas religiosas e sociais. Via o mundo com olhos diferentes e não tolerava as injustiças, a hipocrisia, as cangas que pesavam sobre os mais pobres, como a discriminação para com o seu povo nazareno. Assim, resolve trocar umas ideias com outros jovens, com rapazes e moças, homens e mulheres. Na sinagoga, afirma que o conteúdo de Isaías (61) é aplicado à sua pessoa, reconhecendo-se como o Ungido do Pai, para um eterno JUBILEU, a festa da Vida Plena, em que a escravidão, a cegueira, a surdez e a paralisia que recaiam sobre o povo chegariam ao fim.

Ciúmes e confusão, maldições e acusações recaem sobre ele. É um blasfemo, pois, sendo apenas um zé ninguém da Galileia, terra distante e inculta, quer-se passar por Deus. Onde já se viu uma coisa dessa? A Lei e os rituais sagrados estão sob a direção dos Sumos Sacerdotes e dos Mestres e Doutores da Lei, na sacralidade ritualística do Templo, em Jerusalém, capital econômica, cultural e religiosa de sua gente.

O rapaz da Galileia se irrompe contra todos. Parece um esquerdista, disposto a desafiar a ordem estabelecida, “a vontade de Deus para seu Povo", conforme estipularam os grandes de Israel. Como pode um pobretão de Nazaré desejar desafiar a gente de bem que é ordeira e cumpridora da Lei? É muito desaforo... sua origem todos a conhece: seu pai é carpinteiro, sua mãe é Myria, seus parentes todos são pobres do Norte, região influenciada pelo paganismo e por práticas religiosas distantes da liturgia oficial do Templo. Ainda mais, não tivera instrução de Mestres do Naipe de Gamaliel, nem de outros doutores afamados...

Os ataques às práticas oficiais cresceram, assim como o número de seus seguidores, pois danou-se a fazer sinais e prodígios que indicariam a presença de certa força extraordinária: faz da água vinho; revifica Lázaro e o Jovem de Naim. Cura os leprosos, os cegos, os paralíticos; prega uma outra forma de adoração, “em espírito e verdade”, relativizando o Templo. Diz que a Lei não acarreta tanto legalismo, mas basta amar a Deus e ao próximo na medida de um amor que se tem a si mesmo. A autoridade verdadeira vem de Deus, e se intitula a Fonte de Água que jorra para a Vida Eterna! Aí já é demais! Deus não permitiria tais insultos. "Vinde e o matemos, para que não destrua nossa religião e nossa ordem desejada por Javé"!

Foi assim que conheceu o escárnio, a humilhação, a tortura, uma insana flagelação e, finalmente, a cruz, no Lugar da Caveira, fora dos Muros da Cidade Santa. É chegada a sua hora. A sua morte seria o fim de um projeto que se contrapôs à “VONTADE DE DEUS”. Pobres autoridades religiosas, políticas e econômicas de Israel! Mataram um jovem idealista, mas não conseguiram destruir suas ideias, ainda hoje a incomodar tantas estruturas religiosas, políticas, jurídicas e morais de nossos tempos! Infelizes e incautos, mataram, em nome de Deus, o Homem-Deus. Deram origem ao adágio: “quem sabe rezar xinga Deus”!

Olhe a Sua história, na história das civilizações até o momento presente. Ou, dito de outro modo, olhe a nossa história na Sua história... é preciso que a Paixão de Cristo ganhe força e significado? Ou é preciso que a nossa paixão, associada à do Filho de Deus, conheça uma identidade própria, a de que somos verdadeiramente seus seguidores, inclusive no ato de doar a vida? Olhemos à volta de cada um: ainda há injustiça, morte, dor, exploração, inverdades... é preciso refazer o caminho de Jesus, por veredas diferentes e sempre novas, a fim de que o Grito do Calvário ressoe aos nossos ouvidos: “Pai, em tuas mãos, entrego o meu Espírito”.

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