O CAMINHÃO DE FRANSQUINHO DE CHIQUINHO

Por Jerônimo Peixoto

Jerônimo Nunes Peixoto, 07 de Setembro, 2021 - Atualizado em 15 de Setembro, 2021

O CAMINHÃO DE FRANSQUINHO DE CHIQUINHO

Na minha infância, havia poucos caminhões nas estradas das cercanias de Itabaiana, sobretudo os que cuidavam de transportar pessoas para a feira, aos sábados, ou os que cuidavam de trazer areia lavada para as construções na viLa: Chico de Eronildes, Paulo de Seu Ormino(Hermínio), Damião de Alta (que viajava para fora), Antônio de Profiro (Porfírio), Zé Crispim e Francisquinho (Fransquinho) de Chiquinho. O que mais encanto me trouxe foi o Cara Curta de Fransquinho de Chiquinho, com seus balançados, com o ronco sui generis e com a pontualidade sempre atrasada com que passava pela rodagem das candeias.

As vindas à feira, aos sábados, ganhavam cor, barulho e emoções, na carroceria do Mercedes LP-324 de Fransquinho. Pela manhã, ele fazia duas viagens, sendo primeira, por volta das seis e meia, e a segunda, beirando oito e meia. À tarde, fazia uma única, cuja saída do beco das carroças se dava por volta das dezessete horas. Porém, ninguém perdia o horário, poque o proprietário e motorista esperava cuidadosamente por todos. Conhecia os passageiros pelo nome e já tinha decorados os lugares em que cada um tomava acento. Olhando e vendo o banco vazio, não arrancava o caminhão do ponto, pois uma pessoa importante estava por chegar. E era sempre assim.

A carroceria era cortada, para conter, encravada, uma escada fixa, facilitando o acesso de senhoras idosas. Era o único que tinha os bancos cortados ao meio, com um pequeno intervalo entre si, a fim de que se pudesse chegar até o fundo. Andar no caminhão era, para meninada, uma aventura agradável. Não fossem os buracos da estrada empoeirada de terra, viajar no cara curta era muito confortável, à exceção de alguns solavancos, nas mudanças de marcha, o que era normal, para um caminhão já idoso, de pernas trôpegas, mas desejoso de cumprir o seu papel.

Quando novo, tinha sido azul. Mas, aos poucos, o tempo foi corroendo a pintura, deixando num tom “furta cor” que o tornava mais vistoso, pois cada um dava-lhe uma cor preferida. Durante a semana, por vezes, ele roncava vagaroso com uma carrada de areia lavada, uma ou duas vezes, ao dia. Nos dias de feira, porém, era o nosso mais certeiro transporte. Se não passasse, não teríamos feira. Seu ronco o anunciava a quilômetros, e eu tinha a oportunidade de visualizá-lo, na curva da estrada, próximo à casa de João de Guilhermino, antes do Jacarecica. Era a hora de trocar de roupa e correr para a estrada. O caminhão vinha vagaroso, parando a cada quilômetro, para servir de condução aos sitiantes que vinham à cidade, para “desmanchar” a feira. De Candeias ao Cajueiro levava mais ou menos vinte minutos. Mas chegava sempre disposto a nos acolher.

Até chegar ao nosso ponto, que ficava numa pequena ladeira, ele dava sinal, para irmos um pouco mais adiante, à altura da bodega de Aurélio (e depois de Maninho), a fim de que a parada fosse tranquila. Igualmente, a saída, por se tratar de uma ladeira, tinha de ser sem problemas. O possante estava cansado, e não tinha pistons novos para o arranque necessário... mas, em recorrentes aceleradas esfumaçadas, cumpria o seu brioso dever de levar todos às compras. Por vezes, o freio estava apenas numa roda, mas como o caminhão não corria, parava sofregamente, no lugar indicado.

A cabine era evitada pelas mulheres, não apenas pelo fato de ser muito alta, mas pela “quentura” do motor, que ocupava o centro do recinto. Quem se aventurava, ao término da viagem, tinha os miolos cozidos, conforme contavam algumas. Próximo a alavanca de câmbio, um buraco no piso permitia que pequenas encomendas, como os pacotes de papel colomy, os remédios da farmácia de Oliveirinha, e os pães doces de Zé Gordinho, caíssem, fazendo o caminhão parar fora do ponto. Quando o motorista não dava conta da ausência do embrulho, os passageiros gritavam e ele cuidadosamente esbarrava o caminhão. O teto, porém, era furado e permitia luz, ar e chuva, o que refrescava o ambiente...

Os passageiros eram todos muito amigos: Do Povoado. Saquinho, vinham Victor de Fiinha, Firmino de Zé de Rosa; do Congo, vinham Fulore, Zezé de Julinha, Bastião e Fransquinho de Caçula, João de Massá, Pedro e Joãozinho de Pepedo, Paulo e Manezinho de Servina, Isaura e Lia de Serafina, Mané Ferreira, Mané de Zé Home, Zé de Loriano, Achita, Zé de Carmosita, Luiz de Da Graça, Toinho de Da Graça, Tonho de Joãoozinho, Pedra Petra, dona Alta, Mané de Seu João, Zequinha de Niza, Teonília, Zefinha de Mané de Seu João, Eronilde, Roberto, Domiço, Tonho de Júlia, Luiz de da Graça, Luiz de Calazança, Calazança, Luca de Fransquinho e Tó. De Candeias, Mané Doido, Tonho de Malaquia, Manezinho de Domingo, Tino de Malaquia, Bernardo de Basil, Zé de Domingo, Chico de Domingo, Luiz de Domingo, Terêncio, João de Nanô, Chico de Mané Vovô, Lourdes das Candeias, Zé de Felismino, João de Felismino, Lourde de Basil, João de Guilhermino e Zé Coqueiro; da Cova da Onça, tonho de Silivério, Rufino de Mila e Meira de Arbaninho, Dinda e sua gente animada.

Do Cajueiro, Mané de Nenê e Mila, Zé de Manoel, Firmino de Candinho, Angelina de Duquinha, Marieta, Delina, Ana de Lourenço, Meliana, Raimunda de João Tele, Chico de Basil, Migué de Jerome, Angelina, Maura, Zé Carlos de Bila, João de Sá Maria, Zé de Jerome, Zefa do Cachimbo, Sula de Erundino, Lilia de Mila, Maria de Zaquié, Zé de Zaquié, Lilia de Chico, Otília de Regino, Tonho de Teodoro, Sinhá de Vieira, Vicente de Zé de Pepedo, Zidório, Maria de Rosalvo, as filhas de Tonho de Jovenço, Maroca de João Hora e, da Igreja Velha, Cuta de Simeão, Agripino, Zouza, Tonho de Anedina, João de Coló, Tonho Miúdo, Carlito de Zouza, Manezinho de Ascendino e Manezinho Barcelo. No Canário, ainda havia lugar para as filhas de Marco, Negão de Joventino, Jonas Pau e João de Purdênça, com Lum da rede. A lotação estava completa, com muita gente em pé e dependurada. Mas todos se achavam familiarmente aconchegados. O velho caminhão era mais do que um simples meio de transporte. Era encontro, aconchego, partilha de saberes e sentimentos.

O mais prazeroso da viagem era o fato de todos se conhecerem e formarem uma verdadeira sala de bate-papo, com boas gargalhadas; faziam negócios de terras e de animais, troca de bicicletas, de sela, ou de outros arreios, cotações de farinha, de batata-doce e inhame, de vara de inhame, de esterco de bode, de estaca de cerca, de cancela, além da torta de mamona e do esterco de gado para a plantação. Aqui e acolá, nas paradas em frente a uma bodega, alguns desciam para um bicada de pinga. Alguns reclamavam, mas o motorista, sempre risonho e tranquilo, dizia: – “Oi, eu vou fazer o quê”?

Aos domingos, ei-lo que vinha trazer meia dúzia de pessoas para a missa das nove. Nas festas de Santo Antônio, Sete de setembro, aniversário da cidade e as natalinas, o caminhão de Fransquinho tinha lotação máxima. Foi nele que, durante minha infância, ia e vinha para a cidade, embalando meus sonhos pueris no balanço da carroceria, sob o ronco estonteante do velho motor do cara curta. Cada estalar da carroceria, o barulho do feixe de molas, o chiado dos parafusos estão bem vivos na memória, guardando sentimentos inexplicáveis...

O asfalto chegou, mas o caminhão de Fransquinho apresentou seus primeiros sinais de aposentadoria. Seu proprietário o trocou por uma caminhonete, mas já não tinha a mesma versatilidade: não reunia tanta gente, nem era roncadora, nem rodava tanto, nem dava solavancos tão admiráveis. Apenas serviu a uns poucos. O caminho da feira e as idas às festas se modernizaram e se renderam aos micro-ônibus às motos e aos carros particulares... na curva antes do Jacarecica, nunca mais se avistou, nem se ouviu o seu ronco, o velho amigo dos que viajavam até a vila para as compras. Pouco a pouco, seus viajantes se calaram assim como o velho cara curta emudeceu.

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