Assédio processual (por Carlos Pinna Junior)

por Carlos Pinna Junior

Carlos Pinna, 28 de Abril, 2021 - Atualizado em 29 de Abril, 2021

Assediar, na acepção ordinária, significa importunar, molestar, ultrapassar o comportamento razoável. No âmbito do direito processual, o vocábulo ganha contornos de instigante tema quando se correlaciona à quantidade de processos promovidos pelo mesmo autor com o objetivo exclusivo de constranger a parte contrária, sem qualquer outro propósito, portanto, senão o de perturbar o ex adverso ante as agruras que uma contenda judicial naturalmente impõe.

O acesso à justiça, sabe-se, é direito fundamental. Está lá, estampado no sagrado artigo 5º da Constituição Federal, em seu inciso XXXV: a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. Essa é uma conquista democrática que não deve ser de nenhuma forma limitada, salvo em situações em que haja a subversão deste próprio direito: a utilização dele para fins completamente opostos ao que justifica a sua existência.

A linha é tênue entre os temas: acesso irrestrito à justiça versus abuso do direito de litigar. Como direito fundamental, o acesso à justiça não deve jamais ser tolhido. No entanto, a utilização deste direito fundamental com fins espúrios – quando o abuso do direito de litigar ganha contornos de assédio – não pode ser juridicamente albergada.

Foi o que decidiu o Superior Tribunal de Justiça no enfrentamento do tema a propósito do julgamento do Recurso Especial nº 1.817.845 - MS (2016/0147826-7), cuja Relatoria do Acórdão competiu à Ministra Nancy Andrighi. Definou a Terceira Turma do STJ, por maioria, que “embora não seja da tradição do direito processual civil brasileiro, é admissível o reconhecimento da existência do ato ilícito de abuso processual, tais como o abuso do direito fundamental de ação ou de defesa, não apenas em hipóteses previamente tipificadas na legislação, mas também quando configurada a má utilização dos direitos fundamentais processuais.”

A ratio decidendi do referido acórdão permeia a compreensão de que não se trata de cercear o direito fundamental de litigar, realçando a necessidade de se coibir, em verdade, a utilização do direito ao acesso à justiça como ardil, descambando para um verdadeiro assédio processual, que, este sim, deve ser recriminado, como brilhantemente explanado na decisão: “O ardil, não raro, é camuflado e obscuro, de modo a embaralhar as vistas de quem precisa encontrá-lo. O chicaneiro nunca se apresenta como tal, mas, ao revés, age alegadamente sob o manto dos princípios mais caros, como o acesso à justiça, o devido processo legal e a ampla defesa, para cometer e ocultar as suas vilezas. O abuso se configura não pelo que se revela, mas pelo que se esconde. Por esses motivos, é preciso repensar o processo à luz dos mais basilares cânones do próprio direito, não para frustrar o regular exercício dos direitos fundamentais pelo litigante sério e probo, mas para refrear aqueles que abusam dos direitos fundamentais por mero capricho, por espírito emulativo, por dolo ou que, em ações ou incidentes temerários, veiculem pretensões ou defesas frívolas, aptas a tornar o processo um simulacro de processo ao nobre albergue do direito fundamental de acesso à justiça.”

Em que pese o precedente, ainda são raros os pleitos e as consequentes eventuais condenações que ensejem a própria reparação civil decorrente do abuso, cuidando-se, evidentemente, para que a circunstância de assédio processual esteja inequivocamente configurada no caso em concreto, a fim de que o direito fundamental de acesso à justiça - corolário democrático - jamais seja injustificadamente menosprezado.

O fato é que o tema abordado suscita uma inexorável constatação: como na vida, o abuso e o assédio no direito processual podem provocar graves consequências.

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