Fé no ano novo (por Carlos Pinna Junior)

por Carlos Pinna Junior

Carlos Pinna, 03 de Janeiro, 2022 - Atualizado em 04 de Janeiro, 2022

Um novo ano tem início. Todos renascemos a cada ciclo. Os desafios, sejam eles no âmbito profissional ou pessoal, são renovados. Para enfrentar todos eles - previsíveis ou imprevisíveis - mais que a capacidade intelectual e emocional, é certo que se faz necessário colher forças no que vai além da razão e que constitui um dos mais belos sentimentos que o ser humano pode cultivar: a fé.

O despertar para a fé não é um processo simples. Tanto que a história comprova que a fé possui várias formas de anunciação.

Por vezes, é uma descoberta paulatina, como irrompida a Santo Agostinho que, em suas “Confissões”, reconheceu o fato de somente após longo tempo ter se apercebido de um sentimento que estava dentro dele, enquanto ele próprio encontrava-se fora de si: “Tarde vos amei, tarde vos amei”, confessou ele ao Criador, justificando: “Eis que estavas dentro de mim, e eu, fora de mim”.

Outras vezes, é um despertar abrupto, como descrito pelo poeta francês Paul Claudel – então ateu – em uma noite de Natal na Catedral de Notre-Dame, em um dos depoimentos mais impactantes sobre a revelação divina: “Num momento, o meu coração sentiu-se tocado, e tive fé. Tive fé com tal intensidade de adesão, com tal exaltação de todo o meu ser, com uma convicção tão poderosa, com tal segurança, que não ficava margem para nenhuma espécie de dúvida. [...] Subitamente, apoderou-se de mim o sentimento fremente da inocência, da perpétua filiação divina: uma revelação inefável”.

Em outras oportunidades, a convicção da fé se anuncia através de uma epifania, como narrado pelo grande Dostoievski, até então autodefinido como “um filho do século da falta de fé e de dúvidas”. Condenado à morte por atividades políticas subversivas, livrou-se da sentença capital ao receber o indulto minutos antes do fuzilamento, encontrando na fé a justificativa para sua salvação e passando a afirmar exaltadamente convicto: “Se alguém me provasse que o Cristo está fora da verdade e se realmente a verdade estivesse fora de Cristo, eu preferiria ficar com o Cristo a ficar com a verdade”.

Ao contrário dele, o diplomata e líder político irlandês Roger Casement, condenado à morte acusado de traição à pátria na luta pela independência de seu país, não teve a mesma ventura de obter a clemência dos homens. Ainda assim, na véspera de sucumbir ao enforcamento, manteve a sua fé e espírito de resignação constatados em tocante carta endereçada aos amigos: “Minha última mensagem para todos é um sursum corda. Desejo o melhor aos que vão me tirar a vida e aos que tentaram salvá-la. Todos agora são meus irmãos.”

Também Fernando Pessoa, o gênio, rezou em sua Prece, ao despertar para a dimensão sobre-humana: “Senhor, que és o céu e a terra, que és a vida e a morte! O sol és tu e o vento és tu! Tu és os nossos corpos e as nossas almas e o nosso amor és tu também.”

E o nosso Guimarães Rosa, convicto na sua religiosidade e categórico no seu pensamento característico, perguntou: “Como não ter Deus?! Com Deus existindo, tudo dá esperança: sempre um milagre é possível, o mundo se resolve. Mas, se não tem Deus, há-de a gente perdidos no vai-vem, e a vida é burra.”

Todos estes exemplos, e tantos outros, ainda que distantes pela linha da história, nos impulsionam, dentro do sublime exercício de reflexão de início de ano, a encontrar a razão dos acontecimentos cotidianos, em todas as esferas da vida, com as felicidades e agruras decorrentes. A explicação de tudo – para os que cremos – está mesmo na fé.

Que os desafios de um novo ciclo sejam, portanto, impulsionados pela força e inspiração desse sentimento. Cada um a seu modo, cada um com a sua intensidade, cada um com a sua convicção. E para os que ainda não a encontraram, que estejam receptíveis: o despertar pode ocorrer a qualquer momento.

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