As ordens de serviço para obras públicas em ano eleitoral (por Carlos Pinna Junior)

por Carlos Pinna Junior

Carlos Pinna, 03 de Agosto, 2020

 

Às vésperas do início da corrida eleitoral deste ano, projeções indicam que 4.191 prefeitos estão aptos à disputa pela reeleição, compondo, caso registrem suas candidaturas, os cerca de 15.000 prováveis candidatos à função em todo o país.

Para estes que tentarão a permanência no comando das prefeituras surge o desafio da exata distinção entre os atos de gestão e os atos político-eleitorais, delimitando as figuras de gestor e de candidato, tudo com o fim de evitar infringência às normas eleitorais.

Nesse contexto, muito se tem comentado sobre as denominadas ordens de serviço para obras públicas expedidas por tais gestores candidatos à reeleição, questionando-se eventual abuso de poder político. A matéria é palpitante, sobretudo por conta de decisão do Tribunal Regional Eleitoral de Sergipe na oportunidade do julgamento de Ação de Investigação Judicial Eleitoral promovida contra a chapa vencedora ao Governo do Estado de Sergipe nas últimas eleições estaduais de 2018.

Sobre o tema, necessário esclarecer, desde já, que a verificação de legalidade das ordens de serviço em ano eleitoral passa, inevitavelmente, pela análise temporal (momento) e circunstancial (forma) de tais atos administrativos. Atrelado a isto, surge o questionamento sobre a possibilidade de realização de eventos públicos para a assinatura das ordens de serviço, bem como a legalidade da própria inauguração das obras públicas durante o período eleitoral.

Neste sentido, registre-se que a lei veda expressamente a participação de qualquer candidato em atos de inauguração de obras públicas nos três meses que antecedem o pleito. Resolução do TSE reitera esta proibição, advertindo, inclusive, que também pode recair em tal conduta “a realização de evento assemelhado ou que simule inauguração”. Observa-se, assim, que a lei não proíbe o ato de inauguração de obras publicas em si, que, desse modo, pode ser regularmente realizado, restringindo somente a presença de candidatos em tais eventos.

A promoção de atos de assinatura de ordens de serviço em ano eleitoral não possui, portanto, qualquer impeditivo legal à sua realização, devendo-se atentar, no entanto, para a forma com que tais atos devem se revestir e a publicidade que a eles se dará, tudo a fim de evitar a caracterização da prática de abuso de poder político.

Foi justamente essa a compreensão do TRE/SE ao julgar a AIJE contra a chapa vencedora da eleição para os cargos de Governador e Vice-Governador do Estado de Sergipe nas eleições de 2018, quando entendeu que a utilização sistemática de eventos públicos de assinatura do que denominou de “ordens de serviço informais”, concentradas em meses antecedentes à eleição e realizadas presencialmente em vários municípios sergipanos beneficiados, inclusive com a presença de autoridades e de lideranças políticas, caracterizou abuso do poder político.

É de amplo conhecimento que o processo judicial mencionado se encontra agora submetido ao Tribunal Superior Eleitoral, onde terá recurso apreciado, e certamente, ao momento do julgamento, ensejará elevadas e profícuas discussões jurídicas sobre a matéria no âmbito da Corte Eleitoral.

O fato é que o entendimento que se extrai acerca do tema – associado ao posicionamento do TRE/SE – parece-nos ser o de que as assinaturas de ordens de serviço para obras públicas podem ser realizadas, alertando-se, contudo, para as suas circunstâncias e para os limites da publicidade a que se pode dar a tais atos. Embora seja dever da administração pública promover a transparência dos seus atos administrativos, esta premissa, para a Corte Eleitoral, não pode transbordar para a promoção pessoal do gestor, sobretudo quando candidato.

Nesta linha, necessária a manutenção do caráter estritamente informativo, educativo ou de orientação social na publicidade institucional, o que, por evidente, abrange os atos de assinatura de ordens de serviço. Alerte-se, ainda, que, independentemente do período eleitoral, se a publicidade estatal desborda para a promoção pessoal do gestor pode ainda haver incidência de ato de improbidade administrativa, por ofensa ao princípio da impessoalidade.

A possibilidade de assinatura de ordens de serviço, portanto, encontra-se limitada a determinadas circunstâncias. Os casos específicos serão julgados, evidentemente, com base nas provas existentes nos autos de cada processo.

O ponto relevante acerca do tema o é o fato de que o abuso de poder político é mensurado de forma subjetiva: fatores como quantidade e formato de eventos de assinatura de ordens de serviço realizados em período próximo à disputa eleitoral podem ser valorados negativamente, ensejando a possibilidade de caracterizar o abuso.

Dadas as peculiaridades do momento, as eleições 2020 serão certamente desafiadoras para todos os partícipes do processo democrático, sobretudo para os que disputarão a reeleição. Encontrar o ponto de equilíbrio na condição de gestor-candidato é, sempre, a melhor decisão.

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