QUEBRA DE QUALIDADE

José de Almeida Bispo, 30 de Março, 2022 - Atualizado em 30 de Março, 2022

Colônia Sacramento, atual Uruguai: alimentado no seu nascimento por farinha sergipana.
A fabricação da farinha de mandioca pouco evoluiu. Desde os registros de Frans Post à bem preservada casa de farinha de Seu Basto e D. Maria, comum em Itabaiana até fins dos anos 1960 (exposição permanente no Shopping Peixoto).

Depois do boi, dos campos de Tobias Barreto e Itabaiana; do fumo do Lagarto; a farinha de mandioca da foz do rio Real, e todos os subprodutos desta foi a grande ocupação econômica sergipana. Ainda no século XVII.
Em 1656, em ataque aos curraleiros da rebelião pipocada em Itabaiana, já era a farinha do povoado da Estância quem abastecia as tropas supressoras da revolta, além de abastecer Salvador. E continuou no repique da revolta, cujo epicentro foi desta vez no Lagarto, em 1671.
Mas no início do século XVIII, com a tentativa de reconquista espanhola da Colônia do Sacramento, a farinha do Rio Real da Praia foi convocada para uma missão internacional do império português e passou a abastecer aquela cidade regularmente até sua queda para os espanhóis, em 1705.
Em 9 de janeiro de 1705, a “Carta para o ouvidor de Sergipe del Rey sobre a farinha que se lhe encarregou para a Colônia ser escusada; prender o mestre que levou a Carta se a não entregou por sua omissão; e sobre os dois soldados que remeteu presos, e obrar o mesmo com os mais de que tiver notícia”*, deixa claro: foi escusada por baixíssima qualidade. Até pedrinhas haviam sido encontradas na amostra em geral.
A bem da verdade a tecnologia na produção de farinha de mandioca sempre foi sofrível. O alimento básico brasileiro até a década de 1970 (no Sul, meio século antes) nunca mereceu dos produtores grandes melhoramentos tecnológicos. Dos pequenos, por absoluta falta de capitais; dos grandes pelo espírito de mero extrativismo do empresariado brasileiro, salvo exceções.
Até fins dos anos 1960, a moagem da raiz era feita em rodetes artesanais e movidos a mão, tal o modelo pintado pelo pintor Frans Post, na metade do século XVII. Some-se a isso a péssima raspagem da parte externa e até a torragem da massa.
De uns anos para cá tem havido farta preocupação em relação a “descobrir a roda”; ou seja, voltar a ter uma alimentação mais natural. Assim é que a mandioca, especialmente a variedade não tóxica, o aipim ou macaxera voltou com força ao cardápio em raízes cozidas, bem como a batata doce e o inhame.
E aí começam os problemas de qualidade. Aipins vencidos, expostos ao consumo, por dias e semanas, e que ao cozê-los é que descobrimos inadequados por tempo demais em exposição. Batatas doces mal manipuladas que ao cozê-las encontramo-las cheias de felpas, coisa rara antigamente; e até o caro inhame, colhido às pressas, antes das raízes devidamente maturadas, e portanto corrediço, sem a consistência de massa, mais seca ou molhada que lhe é peculiar, a depender da variedade, vindo de plantações onde a única coisa que interessa é o dinheiro apurado e imediato. Qualidade análoga as farinhas da Colônia do Sacramento.
E as tapiocas? Em toda esquina tem gente vendendo, porém, do cheiro comum à massa puba – mandioca apodrecida e depois depurada – deliciosíssima, mas como puba, a amostras que mais parecem ter sido extraídas usando água barrenta, sabe lá Deus a qualidade... tem de tudo.
Coisas que sempre ocorrem quando áreas operadas por profissionais são invadidas por reles ganhadores de dinheiro.
Uma lástima! O espírito de pura agiotagem chegando à mesa; maculando o nosso prazer de comer bem.
Vamos melhorar isso aí, né, gente?

* Docs. Históricos da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, vol. 40, p.281.

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