A MALDIÇÃO DO PADRE SEBASTIÃO PEDROSO DO GOIS.

José de Almeida Bispo, 30 de Maio, 2022 - Atualizado em 30 de Maio, 2022

No último dia 22, dois antes de começar a chuvarada desta semana, em conversa pela rede social com o amigo e conterrâneo mangabeirense, professor Josivado Freire, esse me informava de que a barragem do Projeto Ribeira estava cheia de tratores e caçambas, aproveitando o nível extremamente baixo da água, praticamente na cota crítica, emergencial, para proceder algo comum por aqui em tempos idos, ou seja “a limpeza de tanques” ou fontes de água de resíduos que se vão acumulando nos leitos ao longo dos anos.
Isso me acendeu o alerta de que a maldição do padre Sebastião Pereira de Gois permanece, apesar das felizes decisões do aguadeiro-empresário Zé de Petrina e seu amigo governador, João Alves Filho.
Zé de dona Petrina ou o ex-vice-governador, ex-vice-prefeito de Aracaju e deputado estadual, federal e tantos outros cargos, José Carlos Machado, quando garotão dono de cisterna muito dinheiro ganhou, vendendo moringas d’água para a molecada mais desassistida do precioso líquido aí pela metade da década de 1960, que revendiam aos copos aos feirantes, retiradas, obviamente sob consentimento familiar da reserva da família. Toda família mais ou menos bem economicamente da minúscula cidade de Itabaiana, até os anos 70 tinha que ter uma cisterna no fundo da casa. Fez parte de um mundo lúdico, que as conquistas tecnológicas acabaram: os meninos vendedores de “água fria” de moringa na Feira.
João Alves Filho, o “negão” João da Água foi a retomada, numa versão popular do Nacional-Desenvolvimentismo em Sergipe, protagonizado, especialmente por seu padrinho político, o grande José Rollemberg Leite. Ambos engenheiros civis deram esplêndida continuidade ao padrão Zé Leite da escola mineira que tanto produziu no país, e saíram espalhando água por esse Sergipe semi-árido, em que pese todo ele tão próximo do mar e a 11 graus de latitude sul, logo, equatorialíssimo.

O alerta se deve a uma constatação.
Em 1975 eu vim de mala e cuia embora para a cidade. O que, em geral, como dito pelo Caetano Veloso, “No dia em que vim embora não houve nada demais”. Mas “o mundo não para”, como disse outro poeta-cantor, Cazuza, expressão repetida pelo saudoso colega radialista Francis de Andrade, e, em 1975, residindo na Casa de Estudante, um sítio entre a cidade que acabava na avenida 13 de Junho e os Eucaliptos, atual frente do SENAC, sobrava água no banheiro e advertências da gerente da casa, uma espécie de república de estudantes, Maria de Jesus Andrade, ou Menininha de Pedro Severo do Pé do Veado, para não avultar a conta a pagar a DESO.
Assim foi até o inverno de 1977; mas, quando retornou o estio, depois de setembro, a velha adutora da Ribeira e sua distribuição já não suportava o consumo que saltara dos 16.433 habitantes urbanos do Censo de 1970 para já os quase 26.284 que seriam apurados em 1980. A coitadinha da barragenzinha gemeu.
Em 1978, 1979 e até a operação da barragem e adutora do riacho do Coqueiro, do outro lado da serra de Itabaiana e próxima a Areia Branca, salvo engano em 1985 foi esse sufoco. Para tomar banho, somente buscando água salobra do poço, na bomba manual da esquina da Avenida 13 de Junho com Rua Quintino Bocaiuva, atual Energisa (atual point noturno do meu saudoso amigo Sartana, ainda em atividade, apesar de sua ausência já há alguns anos).
E a população continuou crescendo, naturalmente, bem como a qualidade e os novos níveis de consumo. Uma residência que hoje consome um metro cúbico ao dia, na década de 70 levava três dias para consumir o mesmo.
Porém, em 1984 começou a ser posta em andamento a engrenagem que traria o consumo de água aos níveis confortáveis atuais. Duas grandes barragens começaram quase simultaneamente a serem construídas, originalmente visando unicamente a irrigação: Jacaracica I e no povoado Várzeas da Cancela, a do Projeto Ribeira. A do Jacaracica, ainda hoje é somente para irrigação; já do Ribeira, por volta de 1990 já começou a receber estruturação para também fornecer água ao consumo humano. O sistema atingiu o apogeu quando foi construída a barragem do Jacaracica II, ousadamente projetado para cobrir quase toda a Itabaiana original – do Riachuelo ao Carira – e seus múltiplos povoados, além das sedes municipais.
Mas o sistema já dá sinais de cansaço e agora, cada vez mais são cada vem mais curtos os períodos em que os reservatórios estão confortavelmente cheios.
Dos últimos dez anos, aos menos nos últimos cinco tivemos três fases críticas: 2017, 2019 e agora neste princípio de 2022.
E a nossa capacidade de acúmulo anda cada vez mais resumida. Já não há bacias viáveis para serem represadas. O recurso adicional do reforço do lençol freático e consequente abertura de poços artesianos viáveis também já foi atingido.
Volvemos o olhar para o já maltratado e superutilizado Velho Chico. Se, e quando será, se não sabe; mas que está drasticamente se convertendo na solução real, isso está.

O padre
Certamente depois de muito embromar os poderosos dos currais de Itabaiana e humilhar os menos dotados, juntando a raiva gerada por deixar apodrecendo de abandono a hoje ruínas da Igreja Velha, o padre Sebastião Pedroso de Góis se viu diante de uma emergência: ajudar o rei de Portugal com tudo a seu dispor a encontrar a mina de prata.
A chegada de outro Sebastião, o Lopes Gradio, em Lisboa com uma caixa de amostras de prata em julho de 1673 “de Itabaiana”, aguçou a cobiça real à extrema necessidade de fazer frente ao nascente Império Inglês e sua enorme fome de poder mundial.
D. Rodrigo de Castelo Branco aqui chegou em 16 de julho de 1674, com poderes e incumbência de fazer tudo para encontrar o minério, e não seria um parocozinho de “uma cidadezinha perdida longe da civilização” que, por rezingas pessoais iria lhe atrapalhar.
Poucos vaqueiros restaram em Itabaiana depois da trágica devassa, lawfare puro, que sob Sergipe – quase resumido ao rio Real, Lagarto e principalmente Itabaiana e a cidade, de São Cristóvão, obviamente – se abateu depois daquele 5 de novembro de 1656; mas, toda a ajuda era necessária para encontrar a prata. E, se encontrada, levantar os muros, cavar o fosso ao redor, fazer as pontes elevadiças, instalar os canhões e, dentro instalar o governo – Câmara, Cartórios e Tesouro – as pessoas de “bens”... e a matriz. Uma verdadeira cidade. Pra dar segurança à prata antes de embarcar para Portugal.
Um ano depois – 30 de outubro de 1675 - e D. Rodrigo ainda não tinha encontrado prata; mas a esperança permanecia. Teria ele aberto o Tanque da Pedreira, e por isso o padre Sebastião Pedroso de Gois fundado a matriz onde hoje está? Ou teria o padre, pra se vingar definitivamente da vaqueirama de Itabaiana, aceitado Santo Antônio na sua Irmandade das Almas, mas arranjado a história do sítio de Ayres da Rocha Peixoto, dado uma “corda” em D. Rodrigo para abrir a pedreira, justificado a criação da futura sede municipal num lugar totalmente sem água, como grafado 72 anos depois (1757) grafado pelo pároco de Itabaiana padre Francisco da Silva Lobo?
Se por suposição de prata ou não, essa dita ou não dita maldição só foi definitivamente quebrada em 1986, com a construção do Projeto Ribeira.
Mas, a ameaça permanece.

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