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Bodegas e bodegueiros.(por Antonio Samarone)

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Os “Mercadinhos Itabaiana” se tornaram marca de sucesso em Sergipe. Essa hegemonia vem de longe. Antes dos supermercados, a distribuição de mercadorias passava pelos armazéns de secos e molhados (atacado) e pelas bodegas (varejo). Os atuais mercadinhos são filhos das antigas bodegas.

As bodegas, além de se vender de tudo, era um local de encontros, um espaço cultural. Bodegas e barbearias. Algumas bodegas ficaram famosas, tornou-se referência. O Ponto Certo, a bodega de Eraldo, na Rua Nova, foi um exemplo. O Ponto Certo, marcou uma época.

José Eraldo Santos (Eraldo da Bodega), nasceu na Matapoã, em 26 de fevereiro de 1940. Filho de João Alves dos Santos e Rita Vieira Santos (Dona Ritinha).

Dona Ritinha era irmã de Paulo Bagoga e Edésio do Mercadinho, gente destacada na velha Itabaiana, e mãe de Eraldo, Normélia e Cordélia (professara, esposa de Mané de Zeca dos Peixes). Uma família bem situada em Itabaiana.

Eraldo fez o primário na Mataipoam e, logo cedo, veio à Villa. Foi ajudar o Tio Edésio no “Mercadinho”. Um detalhe, o Mercadinho de Seu Edésio era uma grande bodega, que antecipava o futuro. Foi a primeira bodega em Itabaiana, ainda com balcão, batizada de mercadinho. Seu Edésio enxergava longe.

Eraldo demonstrou talento para os negócios logo cedo. Em 1954, botou a sua primeira bodega, no Canto Escuro, num pequeno salão alugado a Seu Jubal.

O estabelecimento possuía dois grandes fregueses: o lorde Zeca Mesquita, que morava perto; e Dona Invenção, a mãe de Pinguim, que na morava na Rua da Pedreira.

Pinguim era o melhor marceneiro da cidade. Baixo, feio, mas muito arrumado. Sempre bem-vestido (as roupas eram feitas por um alfaiate em Ribeirópolis), perfumado, relógio de pulso e sapato e meia. Só fumava cigarro Carlton, com filtro. Hábito de rico.

Em 1955, o Ponto Certo se mudou para a rua do Ovo, nas proximidades da Serraria de Tonho de Rosário.

Uma rua com a cara de povo, onde funcionava a Tenda de Bahia, um sapateiro famoso, especialista em sandálias de couro, fechadas, com o solado de borracha de pneu de caminhão. Uma sandália de Bahia era para a vida toda. Nunca precisava de meia sola.

Em 1956, a bodega de Eraldo chegou a Rua Nova. O local, mesmo não sendo esquina, era bom. Vizinho a Serraria de Senhor de Nel. O primeiro trecho da estreita Rua Nova, vai da Praça de Feira à Boarnerges Pinheiro.

Dessa vez, Eraldo acertou. O ponto era bom.

Esse trecho da Rua Nova era de casas comerciais. Começando da feira: a padaria de Valdez, a loja de couro de Vieira, o depósito de Durval do Açúcar, a casa de material de construção de Tonho Meu Irmão, o depósito de cereais de Juca do Cachimbo (irmão de Niu e Rolopeu), o depósito de produtos agrícolas de Boca Rica e a serraria de Senhor de Nel (depois de Zé de Dona).

A bodega de Eraldo, vendia de tudo: corda de sisal e vassoura; casca de pau, batidas e cerveja; refresco e o bolachão de Heleno; perfume e rádio de pilha. Era o mesmo modelo do negócio Tio Edésio.

Eraldo começou a crescer no comércio. Logo, pode realizar o seu sonho de infância: comprou uma bicicleta Raleigh inglesa. Ele passou a gostar de lambretas.

Um bom papo, contador de histórias, Eraldo criou uma longa de amigos. Seu Alvino chegou a convidá-lo para a Maçonaria. Eraldo achou a esmola grande.

Em 1959, Seu Eraldo modernizou a sua bodega: comprou uma geladeira a querosene, em Zeca do Crediário. Foi a primeira bodega com geladeira, em Itabaiana. Passou a ser um ponto de encontro dos bebedores. A cerveja vinha de Salvador em sacos de estopa, cheios de pó de serra, em cima das cargas dos caminhões.

Em 1963, Eraldo comprou uma geladeira elétrica, da marca Climax, que se encontra no museu de Nilton Sobral. Foi Eraldo estava a frente do seu tempo. Por vezes, deixava a bodega com a irmã Normélia, e ia a São Paulo comprar mercadorias. Trazer novidades.

A bodega virou um ponto cultural dos desocupados, personalidades e comerciantes. Iam bate papo na Bodega de Eraldo. Era um programa de muita gente. Botar as fofocas em dias.

O dono, bebericava escondido, em baixo do Balcão.

Eraldo era eleitor de Chico de Miguel, mas amigo da oposição.
Qualquer político em campanha, passava religiosamente na bodega de Eraldo.

Certa feita, o governador João Alves, fez um elogio: “Parabéns, pela arrumação de sua bodega”. Coisa de política: a bodega de Eraldo era caótica, desorganizada, com as mercadorias amontoadas.
Eraldo era criador de passarinho (naquele tempo podia), em especial “pássaro-preto”. Possuía vários. Certa feita, teve uma praga de grilos em Itabaiana.

Essas pragas de insetos (grilos, gafanhotos, lacerdinhas, aranhas, escorpiões) eram frequentes. Como se sabe, pássaro-preto come grilos. Zeca do Crediário era presepeiro: espalhou que Eraldo da Bodega estava comprando grilos para os seus passarinhos. Em oito dias, a fila de gente com sacos de grilos para vender, dobrava quarteirões.

Seu Eraldo se casou em 1967, com Dona Maria Luzia Brandão Santos, de Mocambo. Tiveram 4 filhos: Eraldo Jr, Eduardo, Everton e Edésio, todos vivos, e atuantes na sociedade itabaianense. Dona Luzia está com 81 anos, ativa, em plena autonomia.

Seu Eraldo morreu novo, com 54 anos, em 08 de janeiro de 1995, por complicações de uma cirrose hepática. Ainda tentou! Foi hospitalizado em Salvador. A única conduta era um transplante.

Seu Eraldo foi um itabaianense típico. Competente, bom de balcão e talentoso no comércio. Ao mesmo tempo, possuía a alma da Maitapam, descrita por Alberto Carvalho: religioso, inteligente, bom de papo, ético, gozador e engraçado.

Seu Eraldo, ao seu modo, foi um líder, um aglutinador, construiu uma narrativa. A sua bodega foi economicamente bem sucedida e, ao mesmo tempo, um ponto de cultura.

Antonio Samarone – Secretario de Cultura de Itabaiana.

PS: na foto, além de Seu Eraldo, atrás do balcão, identifico Pulga de Cós, Robério de Rosalvo do Cabo Quirino, Carlinhos da Atlética e Tonho Meu Irmão.

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