CARTA AO CONTERRÂNEO

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Manoel Moacir Costa Macêdo

Caríssimo conterrâneo, espero que essa missiva o encontre com saúde. Os Correios não estão tão diligentes como antes. Também não se escrevem cartas como antigamente, mas mensagens curtas por WhatsApp, Instagram, Facebook e Email. Faz tempo que não tenho notícias suas, desde quando passamos no temido vestibular nos anos setenta, quando partimos dointerior para a Capital. O Brasil era rural e pobre. As universidades raras e para os bem-criados. Lembra que fomos os primeiros filhos do povo daquela esquecida cidade a cursar uma Faculdade?

Você brilhou. Apenas você e o filho do Prefeito,foram aprovados para Faculdade de Medicina, júbilo para família e conterrâneos. Fui aprovado para ocurso de agronomia, menos cobiçado, apesar da Lei do Boi, que reservava metade das vagas para os filhos e proprietários rurais. O tempo era de ditadura militar. A minha vocação era para advocacia, que consegui décadas adiante.

Centrando no que interessa. Recentemente,encontrei um dos nossos colegas do ginásio da CNEC – Campanha Nacional de Escolas da Comunidade, que passou por uma crise na coluna vertebral -, o Sistema Nervoso Central. Através deleo cérebro comanda o organismo, numa engenharia divina de difícil explicação pela ciência positivista. Carrego na lembrança os conterrâneos aleijados, paralíticos e acamados, pelos males na “espinha dorsal”. Na nossa terra, não existiam nemortopedistas, nem neurologistas e nem fisioterapeutas, mas abençoados médicos clínicos, que faziam milagres, tal qual missionários de Deus.Um simples posto de saúde com generosos práticos em enfermagem que atendiam aquela gente sofrida. Nos anos cinquenta, quadra de nosso reencarne na Terra, a expectativa de vida era de 47 anos, e hojechega aos 75 anos de idade. 

Voltando ao assunto. Concluir o curso de agronomia, e consegui um emprego federal, sem a intervenção de padrinhos políticos. O importante era a sobrevivência e não a vocação. Após uma carreiraprofissional de mais de quatro décadas, estou feliz pelas escolhas que abracei. Não acumulei riqueza,como um profissional da ciência e ensinouniversitário. Feliz na velhice, aposentadoria modesta e um plano de saúde, numa sociedade compersistente e abissal desigualdade social.

O Brasil cresceu, mas os pobres continuam mais pobres, e os ricos mais ricos. Para os espíritas “a desigualdade das condições sociais não é uma lei natural, mas obra do homem e não de Deus”. O motivo dessa carta é para relatar o drama e sofrimento de nosso conterrâneo. Moléstiadiagnosticada como “hérnia de disco”. Disse ele, que foi consultado em clínicas e hospitais particulares, privilégio para poucos. Tirou chapas de raio x, tomografia e ressonância magnética. Foi medicadoaté com morfina, mas as dores persistiram. Dias e noites sem dormir. Imagine o sofrimento de 150 milhões de brasileiros que não possuem planos de saúde e dependem do SUS – Sistema Único de Saúde. Mas, como se diz em nossa terra: “ruim com ele, pior sem ele”.

No meu caso, exceto as vacinas, nunca recorri ao SUS. Tenho o privilégio de possuir um plano de saúde, custeado com recursos públicos. Relatou com lágrimas nos olhos, que os primeiros diagnósticos de seu sofrimento, não foi identificado de forma rápida e precisa. Quase dois meses com dores, sem dormir e dificuldade nos movimentos. De pronto, foi recomendada a cirurgia, terapia de alto risco para um órgão sensível em sua idade. Ainda emocionado, disse que rogou ajuda aos parentes que moram na região Sudeste, no que foi atendido. Naquela época muitos conterrâneos foram ganhar a vida por lá. No desigual Nordeste, a cerca continuamais nociva do que a seca. Comentou em choro,que em “Sompaulo” como falavam os retirantes nordestinos em fuga da fome, encontrou alívio e diagnóstico preciso. A cirurgia foi descartada erecomendada fisioterapia e atividades físicas.

Conterrâneo, recordo o humanismo, a ética e a compaixão do passado em nossa cidade, aliado aomeu sentimento de espírita, o que recomendaorientar ao nosso conterrâneo? Você está aposentado, rico e livre das amarras corporativas. Ocomum, é calar e esquecer, comportamento da amorfa classe média, que cultua que “Deus ébrasileiro, e Brasil coração do mundo e pátria do Evangelho”.

        Aguardo resposta e que seja breve, pois os conterrâneos pobres, esquecidos e sem esperança de dias melhores, sofrem das mesmas dores eaflições dessa história “quase verdadeira”, que mistura ficção com realidade.

Manoel Moacir Costa Macêdo, é engenheiro agrônomo e advogado.

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