ITABAIANA – 350 ANOS. JOSÉ VALDE DOS ANJOS.

Itabaiana – 350 anos. José Valde dos Anjos.
(por Antonio Samarone)

Ontem, conheci uma Confraria, no conjunto Leite Neto, em Aracaju. Um espaço de convivência de quem não foi sequestrado pelas Redes Sociais. Um local onde se joga conversa fora, estreitam-se amizades e respira-se o calor humano. A novidade funciona há mais de 6 anos, vizinho ao lendário “Bar do Gordo”, na Praça.

A Confraria sobreviveu à Peste da Covid-19.

Na chegada, fui saudado com alegria. Um senhor, bradou em alto tom: “Fernando, você por aqui!” Levei um susto. Só me chama de Fernando, que me conheceu na primeira infância. Até os 12 anos, era o meu nome oficial, sem nunca ter sido. Já vi que o sujeito é de Itabaiana.

De primeira, não o reconheci e tive vergonha de perguntar. Sentei, fiquei olhando para as feições profundas do amigo e a memória afetiva funcionou. Enfim, perguntei: você é da família de Zé de Melinha? – “Claro, porra, sou Paulo, filho de Zé de Melinha.” Puta merda, meu parente. Dona Melinha é irmã de minha avó, Maria do Céu.

Foi nesse ambiente, cheio de afetos, onde conversei com José Valde de Valdice.

José Valde dos Anjos, o primeiro dentista itabaianense, formado pela UFS, é filho de Dona Maria Valdice Lemos e Zé de João Pedro. Nasceu em Itabaiana, em 09 de fevereiro de 1950.

A Mãe, Dona Valdice é da nata do Beco Novo. Filha de João Geraldo Lemos (João Giba) e Dona Marieta. Valdice é irmã de José Calazans, Lourdes, esposa de Zé Bezerra e Dona, esposa de Pedro Boarnerges. Com a morte do marido, caminhoneiro, Valdice criou os filhos sozinha, vendendo pastel.

Zé Valde criou-se no doce ambiente da cidade pequena, do interior de Sergipe. Os meninos danavam-se: pegava caju nos sítios alheios, banhos em rios e açudes, brincavam de pegar e esconde/esconde, e jogava-se bola nas ruas de barro. Zé Valde foi o goleiro do Santos de Bicudinho, filho de Dona Iracema.

Aqui cabe uma explicação. Antes, a primeira turma do Murilo Braga é de 1953, Itabaiana formava muito poucos. Um ou outro. Lembro-me de Elias Andrade, engenheiro formado em Pernambuco, irmão de Seu Filomeno, morto precocemente em desastre aéreo; Nivalda, Filha de Dona Graça e Seu Rosendo, formada em odontologia.

O filho de Manuel Teles, Dr. Airton, formado em medicina na Bahia; Sinval Andrade, formado em medicina do Rio de Janeiro; o intelectual Alberto Carvalho, que primeiro passou no concurso do Banco do Brasil. Aliás, esse era um caminho promissor, para quem terminava o Ginásio. Depois, Alberto foi professor de economia da UFS.

Passos Porto, um itabaianense formado em Agronomia. Eu nem lembro onde, nem quando. Deve ter mais alguém, que não estou me lembrando. Mais um: Dr. Luiz Antonio, médico muito tempo em Simão Dias. Não sei quando formou.

Depois do Murilo Braga, as coisas mudaram. Passamos lotar as salas de aulas das universidades. Da turma de 1962, do Murilo Braga, lembro-me de um grande nome, José Augusto Machado, filho de Zé da Manteiga. Para não esquecer, foi ele quem levou o curso científico para Itabaiana, em 1971. Aqui já é outra história.

No primário, Zé Valde andou por várias escolas: Helena de Branquinha, Gabriel, Dona Augusta. Fez o temível exame de admissão, e ingressou no lendário Ginásio Murilo Braga. José Valde, menino pobre, teve a ajuda de Dona Sinhá, esposa de Euclides Paes Mendonça, e fez os dois primeiros anos do científico, interno, no Colégio Marista, em Salvador.

O terceiro ano científico, Zé Valde concluiu no Atheneu, onde dominavam os itabaianenses notáveis nos estudos. Lotavam as salas de aula do Atheneu: Átalo Crispim, Zé Carlos Machado, Antonio Carlos Fontes, Vladimir Carvalho, Luiz Carlos Andrade, Guilhermino Noronha, Luciano Siqueira, Hélio Lima, Arnaldo Bispo, José Milton Machado, Abraão Crispim, Geraldo de Zé de Cabocla, Nego Lima, Arnaldo Fominha, Manteiguinha, Luciano das Vitalinas, Maceta, Tutu e João Bafo de Onça.

Todos, saídos do Ginásio Murilo Braga! 

José Valde dos Anjos foi da famosa turma de 1963, do Murilo Braga, onde quase todos, menos dois, saíram para continuar os estudos fora de Itabaiana. Muitos se formaram em medicina.
A presença do Murilo Braga em Itabaiana, desde o início da década de 1950, forjou no inconsciente da juventude a importância dos estudos.

O fato de ser estudioso, careava prestigio para um menino pobre. Todos queriam estudar, e estudamos.

Ainda tinha famílias, quando podiam, que se mudavam para Aracaju, para que os filhos estudassem. Lembro-me de Dona Ieda e Zé Silveira. Os filhos se destacaram nos estudos: Tuca, Nino, Denise, Dayse, e os mais novos, que eu não lembro os nomes.

Um detalhe: ricos, pobres e remediados, todos faziam um jeito de vir para Aracaju, estudar. Ficavam na casa de parentes, quando possuíam parente solidários, arrumavam um serviço, davam aulas, faziam banca. Quando se passava no vestibular, a UFS ajudava, mantinha as Repúblicas estudantis.

Quando saia a lista dos aprovados no vestibular da UFS, Itabaiana fazia festa. Raspar a cabeça era a mesma glória de ter ganho uma medalha de ouro nas olimpíadas. Sei que é difícil para a juventude atual saber o significado.

Itabaiana era grande não somente no comércio, nos caminhões e no futebol, Itabaiana era grande nos estudos. Isso fez parte do crescimento da cidade, do inconsciente coletivo.

Quando cheguei de cabeça raspada na bodega de Belisário, foi um alvoroço. A maioria não sabia direito do que se tratava, mas o filho de Elpidio (pataqueiro) e Dona Lourdes (dona de casa) também passou. Viva!

Era a vitória de uma gente sofrida, sem cotas, que lutava com unhas e dentes para sair do buraco. Para não haver dúvidas: sou a favor das cotas.

Dona Valdice, a mãe de Zé Valde, fez das tripas coração, se matou vendendo pastel, mas formou o filho. E Zé Valde, agradeceu e retribuiu. Para não me esquecer: eu vendia os pasteis de Valdice, em dia de feira.

Um irmão de Zé Valde, José Valdemir dos Anjos (Demir de Valdice), não pode estudar, teve que trabalhar logo cedo. Demir andava de feira em feira, curando o povo. Recebia Oxossi e realizava as curas, numa barraca.

Demir era o rei das cafuas de baralho. Morreu novo e deixou duas filhas: Ianara, médica e Raiane, dentista. Zé Valde tomou conta das meninas como filhas. Deixou também um menino, chacinado pela polícia, aos 13 anos.

Demir foi meu amigo de infância, de rua e de futebol.

 
Zé Valde ainda tem mais três filhos: Marcos Wendel, gerente da Caixa Econômica e Carla Regina, enfermeira, e Kelly Regina, advogada, filhas que ele herdou do seu casamento com Simone, filha de Zé Mecânico, da boa safra ceboleira.

Antes, em Aracaju, Zé Valde morava no Hotel Bossa Nova, um antro de estudantes na esquina do Parque da Catedral, depois que passou no vestibular (1970), foi morar na República Cebolinha, na Rua de Maruim, 488, onde também morei.

Em 1975, Zé Valde retorna a Itabaiana, para exercer a profissão de Dentista. Encontrou dois dentistas formados, Welington Mendes e Zenaide, e uma dezena de dentistas práticos: João, do Campo do Brito, Zequinhas Preto e Branco, Josias, Eduardo Porto e Olavo. O consultório de Zé Valde logo estava bobando, com uma grande clientela.

Itabaiana já tinha empregos para oferecer aos seus filhos que retornaram. Zé Valde foi o primeiro dentista formado na UFS, o segundo, falta confirmar, foi Agnaldo de Zé Gordinho. Depois foram muitos. Outra geração.

Muitos médicos itabaianense, formados na UFS, retornaram para a grande Itabaiana. A partir de 1971, o Dr. Raulino montou uma grande equipe.

José Valde se meteu na política uma vez, foi o vice na Chapa de Maria de Chico de Miguel, na disputa a Prefeito de Itabaiana, contra João de Zé de Dona, acho que em 1992. Na trágica passeata estudantil de 1963, em Itabaiana, onde mataram Euclides e Antonio, pai e filho, Zé Valde estava presente.

José Valde cuidou de Valdice, a mãe, do irmão e das sobrinhas, com dedicação paterna. Vive com Simone há 40 anos. Sempre tratou as filhas dela, como pai. A solidariedade de Zé Valde é sem limites.

Antonio Santana Menezes, o primeiro médico, e José Valde dos Anjos, o primeiro dentista, formados na UFS, são itabaianenses, filhos do Ginásio Braga, que engrandeceram Itabaiana, na segunda metade do século XX.

Antonio Samarone – médico sanitarista.

A foto é do arquivo do historiador Almeida Bispo.

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