FÉ E POLÍTICA

Por Jerônimo Peixoto

Jerônimo Peixoto, 14 de Novembro , 2019 - Atualizado em 14 de Novembro, 2019

FÉ E POLÍTICA

A Humanidade viveu, ao longo dos Séculos, a experiência política sob o chamado Regime Teocrático. Tratava-se de um monarca ungido pela divindade para guiar o povo em nome de Deus. Há ainda alguns países que seguem esse modo de governo, sobretudo no Oriente. Todos os atos do mandatário eram tidos como expressão da vontade divina.

O Ocidente Cristão se encarregou de dar aso a essa forma de compreender e de viver a política, servindo-se da inspiração divina para a justificação dos atos do rei. Herdara do antigo Israel o hábito de ungir o escolhido para governar ou para apascentar o a grei do senhor.

Quando os cristãos ganharam liberdade religiosa, concedida por Constantino, no famoso Edito de Milão (no ano de 313), teve início a chamada cristandade, a presença maciça da Igreja em todo orbe conhecido, influenciando os estados, integrando a nobreza, ganhando ares de quem estava mais afeita às coisas da terra do que às do céu.

Nesse período, que durou até a Modernidade, a Igreja enveredou pelos caminhos de uma política que nem sempre foi sinônimo de cidadania. A tirania, o esnobismo, o apurado gosto pelo poder estiveram, com raras e notáveis exceções, em primeiro lugar. A grande preocupação do chamado alto clero era a de mostrar seu poder, sua força e sua influência. Nomear reis, destituir reis era mais importante do que nomear bispos. Aliás, houve até ligeira troca de papeis. Os Imperadores nomeavam bispos e o papa nomeava os monarcas ou decidiam quem deveria ser o próximo sucessor.

A história dá conta de mostrar que, enquanto o altar esteve estreitamente ligado ao trono, o povo ficou bastante esquecido. O que importava era figurar entre os nobres, entre os que detêm o poder, o prestígio e a influência, tudo em perfeita desproporção ao consignado no Evangelho de Mateus (4,1-13).

Com o advento do racionalismo, que culminou no Iluminismo, a teocentrismo ruiu e as práticas políticas, em não poucos países, ganharam fisionomias novas, pois passou-se do absolutismo monárquico ao estado de direito. Por outras, até o monarca tinha a ingente obrigação de se submeter às leis e às normas de um estado. É bem verdade que, por um bom período o racionalismo levou a regimes totalitários e a sérias consequências. Mas, aos poucos, os governos se abriam ao estado de direito.

Bem posteriormente, com a declaração universal dos Direitos Humanos, surge o chamado estado democrático de direito, que pugna por uma forma de política voltada a todas as classes, propondo a igualdade fundamental entre os povos, não obstante a diversidade de etnias, de credos, de culturas.

As liberdades individuais passaram a ocupar o centro das atenções, trazendo para o debate, inclusive o respeito às minorias. Aqui entra o papel da Fé como inspiração de políticas públicas que contemplem as necessidades mais urgentes do ser humano, a fim de que seja assegurada a cidadania a todos e não apenas a alguns. Neste sentido fé e política se completam e se unem em torno de um mesmo objetivo: assegurar a cidadania e a dignidade a todas as pessoas, indistintamente.

Entretanto, nos últimos anos, tem-se assistido a uma plêiade de igrejas, em boa parte do mundo, que mais do congregar para a santidade, em que pese a presença de boa-fé da parte de muitos integrantes, tornaram se currais eleitorais da pior espécie de políticos que se podem patrocinar.

Em nome da fé em um Deus desencarnado, tramam-se atitudes inimagináveis. A fé se tornou alheia ao verdadeiro sentido, e permite matar, manipular dados, falsificar a realidade, travestindo-a de boa e de desejável, para legitimar práticas antes atribuídas ao pior dos segmentos sociais. Pior: dispara-se a ideia de um falso moralismo, que sai em defesa da família, da castidade, dos valores éticos, mas praticam-se coisas do arco da velha.

Fé e Política assim se tornam veículos de alienação e de escravidão do ser humano que passa cegamente a aceitar a “expressão da divindade” como proposta de salvação, não enxergando possibilidades de diálogo, de tolerância, de divergência de ideias. É nesse sentido que a fé se torna o “ópio do povo” e a política perde o seu mais nobre significado: “O meio privilegiado de se prover a caridade, o bem comum e a cidadania”.

O trono é interessante! Bem assim o altar! Ambos devem se ajudar, mas nunca firmar alianças espúrias e nocivas à dignidade da pessoa. Fundamentalismo religioso, em qualquer tempo, é um veneno para o ser humano. É preciso refletir, ponderar, e discutir ideias, para o engendramento de um mundo justo e fraterno.


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