O GRANDE ENCONTRO (I) Por Manoel Moacir

Redação, 20 de Março , 2020

 


A história é acreditada como ciência, pelos registros gravados na memória, escritos, desenhos, vozes, sons, apetrechos, vivências e sentimentos, alguns tatuados em rochas. Vieses são cunhados por mãos, mentes e bocas de vencedores. Desprezo aos vencidos e suas verdades. Esse o sentido do “Encontro dos Engenheiros Agrônomos da Escola de Agronomia da Universidade Federal da Bahia - EAUFBA de 1973 e Contemporâneos”, adiado pelacompulsória quarentena do “Corona vírus”. Encontrosnão são frios, exigem calor humano, abraços, beijos, cantorias, casos e apertos de mãos.

 No verso do poeta Vinicius de Moraes, “a vida é arte do encontro, embora existam tantos desencontros na vida”. Assim, foram os anos de 1973 a 1976, aquecidos por um passado de mais de quatro décadas, por jovens universitários, candidatos a engenheiros agrônomos pela centenária EAUFBA, ungida pelo Imperador Pedro II em 1877, como a Imperial Escola Agrícola da Bahia, no massapê do Engenho das Lajes em São Francisco do Conde. Aseguir em Salvador e por fim em 1940, no latifúndio arenoso, tal qual os dos “Passos” na Sapucaia em Cruz das Almas, pelo Interventor Federal na Bahia, Landulfo Alves. Uma versão de “internato agrícola”,majoritariamente de homens com “H” maiúsculo. Juventude no interior, longe do “sabor das massas e das maçãs”. Hoje, a pujante Universidade Federal do Recôncavo da Bahia - UFRB.

 

Ambiente de contradições sociais e códigos internos: nomes, sobrenomes, posses e raros automóveis; repúblicas customizadas e pensões na “Tabela”; habilidades esportivas, sociabilidade, origem, futuro, aparência e liderança nos trotes - galinha d’água, furacão e marcantes apelidos. Estreita divisa entre acolher e afastar. Apartheid na Escola e na “escaldada Cruz das Almas”. Dedicação ao estudo, gosto pela ciência, moderação nas farras, mansidão e militância política, eram atributos dos “CDF”, complicados, “adoidados” e viventes no “mundo da lua”. Aventura de sobrevivência e afirmações. A história é o registro de desiguais.

 

Uma quadra social de silêncio obsequioso, ditadura militar, nepotismo, infiltrados, “Lei do boi”, “Com quem está falando”, coronelismo, impunidade, “Quem indica”, guerra civil na América Latina, África e Revolução dos Cravos no colonizador lusitano. Temas ausentes das aulas, debates e eventos. Na clandestinidade, a coragem juvenil, o temido “477”, a militância comunista e a luta armada. A indignação consentida e vigiada no Diretório Acadêmico Landulfo Alves e no “teatro amador”. As melancolias na “Cantina”, no bar de Antão e no violão do “Galo já cantou”. O recolhimento seletivo no “Hospício e no Frigorífico”. Um país rural, de cem milhões de habitantes. “Pra Frente Brasil” e “Ame-o ou Deixe-o”. Distante da liberdade e dos atuais duzentos milhões de brasileiros, em maioria urbanos.

 

O conhecimento era transmitido em tradicionaisaulas, exposições e avaliações por vocacionados professores, na lógica monodisciplinar e cartesiana do saber. Dificuldades para “passar”, incentivos e bravuras às “colas e aprovações”. O foco eradiplomar, livre das questões sociais e políticas. Trator, arado e grade, na despojada disciplina de máquinas agrícolas. A memorização de pragas e inseticidas na entomologia. As reprovações na incompreensível fisiologia. A humildade na fitopatologia. A loucura na genética e melhoramento. A leveza na química do solo. O otimismo na extensão rural. Saudade dosmestres, funcionários e colegas, que partiram “sem dizer adeus”.

Época da EMATER, PDRI, IPEAL, CEPLAC e da nascente EMBRAPA, que recrutavam os seus eleitos, alguns excluídos pelo “suspeito psico-teste”. Tempo de “Zinaldo, Gramacho, Haroldo, Bráulio, Assis, Conceição, Álvaro, Afonso, Geraldo, Mendes, Tomé, Angelina, Chico, Rita, Justino, Cristino, Malvadeza e Carbasa”, entre tantos outros e dos “namoros desconfiados” com as nativas. Reforma agrária, MST, PRONAF, meio ambiente, biotecnologia, desigualdade e capitalismo no campo, não constavam na agenda. Não existia web, celular, computador, mídia social, bullying e homofobia. Um “tipo ideal” de engenheiro agrônomo para um mundo rural comportado. Aumento linear da produção, e produtividade das lavouras e criações, neutralidade científica, resistência às intempéries do tempo, Carteira Nacional de Habilitação e relacionamentos, as competências para as lides agronômicas. Uma geração de engenheiros agrônomos vitoriosos na extensão rural, assistência técnica, ciência, tecnologia, ensino, empreendedorismo, gestão, política, arte e na vida. No dizer de José Saramago, “o grande progresso é o moral, o resto é possuir mais ou menos bens”.


Manoel Moacir Costa Macêdo

Engenheiro Agrônomo


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