O GRANDE ENCONTRO [vii] (por Manoel Moacir Costa Macêdo)

Para os comuns, a vida cobra muito. Exige fazer tudo certo e ainda dar sorte.

Redação, 21 de Agosto , 2020

Oitavo e último semestre do curso de engenharia agronômica da Universidade Federal da Bahia - UFBA. O esperado quarto e derradeiro ano. Ansiedade com as disciplinas finais. Não podia “perder” nenhuma. A jornada dura de estudo continuava. Não tinha as facilidades de Haroldo, brilhante inteligência. Alguns professores dispensavam modestas deferências aos estudantes. Um deles, o Professor Luiz Mendes, ministrou a disciplina Economia Rural. No seu tempo de estudante foi presidente do Diretório Acadêmico Landulfo Alves - DALA. Cumprir com folga os seus trabalhos e provas. Li com gosto o livro “A História da Riqueza do Homem”. Gutemberg foi monitor dessa disciplina. Os jornais de oposição “Movimento e Opinião”, instruíam o meu vocabulário político, social e econômico, assim como os reservados discursos do Deputado Federal Chico Pinto. A história carrega com ela as identidades.

Ocupado integralmente com as disciplinas, a formatura e as expectativas de emprego. Exceto a CEPLAC, não recordo de outras ofertas de trabalho. Os concursos públicos não eram compulsórios. Obrigatoriedade a partir da Constituição Federal de 1988. Aguardava os concursos da Emater. Participava das reuniões da comissão de formatura. Ao final, decisões tomadas. Orador, Gutemberg. O convite da formatura foi efetuado na gráfica da Ematerba, uma deferência do seu Presidente, engenheiro agrônomo Abdon Jordão, líder estudantil do seu tempo. Gratuidade pela identidade política e amizade. Programação para dois dias de formatura. Churrasco no Clube Laranjeira, o preferido da elite local. Colação de Grau no Auditório da Escola de Agronomia. Baile no Cruz das Almas Clube. Não recordo de cerimônia religiosa ou ecumênica. Jodemir garantiu que existiu. Possivelmente não participei. Então, um radical ateu. O terno da solenidade foi comprado na loja “O Adamastor” na Rua Chile em Salvador. Até essa data, conhecia as lojas da “Baixa dos Sapateiros”.

Como diz a canção: “felizmente conseguir me formar”. Na programação, algumas contrariedades. O convite de baixa qualidade. Como foi “de graça”, não tinha a quem reclamar. O churrasco um desastre. A colação de grau, interrompida após as formalidades simbólicas de entrega do diploma e anel. O discurso suspenso pela “falta de energia” no auditório. O baile no Cruz das Almas Clube, foi o palco improvisado do “discurso censurado” do Orador. A única celebração sem restrições, foi a despedida pelas ruas, animada pelo “Trio Elétrico CARBASA”, do então Prefeito de Cruz das Almas, Carmelito Barbosa Alves. Alguns vestiam “sacos” com dizeres e palavras-de-ordem. No meu caso escrevi: “Caminhando: pra não dizer que não falei das flores”. Não tinha espaço para acrescentar: “somos todos iguais braços dados ou não”. Canção censurada do paraibano Geraldo Vandré. A situação política era de restrições de liberdade.

Numa única oportunidade, participei da representação estudantil. Fui indicado por Ismar, presidente do DALA, para o simbólico Conselho Departamental. Na primeira reunião o Professor Vasconcelos, de forma amigável, questionou o custo da minha campanha. Um cargo indireto e de reduzida expressão. Sabia das restrições para angariar votos. Deferência do líder e autor do hino “O galo já cantou”. Liderança carismática e de bom caráter. Alinhava com sensibilidade, a política, a música, a farra, os amores e os estudos. Estive com Ismar, após um acidente em Central, sua cidade natal e nunca mais o reencontrei. O semestre caminhava para o final. Nenhuma promessa de emprego. Numa despretensiosa manhã, ao passar em frente ao Departamento de Economia, fui abordado pelo Professor Luiz Mendes. Chamou ao seu gabinete e ouvi a mais aguardada notícia: “indiquei você e Haroldo para a recém criada Empresa de Pesquisa Agropecuária da Bahia - EPABA”.

Não tardou a chegar o convite para a simplificada seleção: entrevista, curriculum vitae e prova de conhecimentos gerais de agronomia. Resultado aguardado com ansiedade. Aprovado. Emprego garantido de pesquisador. Dificuldades de sobreviver à espera de concursos. Teria que retornar à distante e isolada Rio Real. O professor Luiz Mendes na grandeza de Mestre, nunca comentou essa generosidade. Ficamos amigos. A vida me conduziu a trabalhar e residir em Cruz das Almas. No percurso do semestre, atendi um treinamento em “metodologia científica”, indicado pela EPABA. Ferramenta de trabalho do pesquisador. Disciplina que fui professor universitário por vinte anos. Alívio divino. Empregado antes de formado. Serei pesquisador. Alforriado. Para os comuns, a vida cobra muito. Exige fazer tudo certo e ainda dar sorte. O passado não é um caminho inequívoco ao futuro pré-determinado.

Manoel Moacir Costa Macêdo

Engenheiro Agrônomo


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