O patrimonialismo no Nordeste

Uma política que passa de pai para filho, cargos comissionados e paixão dos eleitores é o que marca o patrimonialismo no Nordeste.

Redação, 15 de Novembro , 2020 - Atualizado em 15 de Novembro, 2020
Charge: Rafael Lucino

Sem dúvida alguma podemos dizer que a política é uma das grandes paixões do povo nordestino, sobretudo, o nordestino interiorano. Quando chega o ano eleitoral não se fala em outra coisa nos municípios. Onde quer que você vá tem sempre alguém comentando sobre os candidatos e perguntando em quem você vai votar. Em seguida desenvolve-se um diálogo apontando o porquê de votar em A ou B.

No período de campanha eleitoral todo dia de comício é dia de festa. Os mais apaixonados acompanham fielmente seus candidatos em seus giros pelos bairros e povoados, a cada fala do candidato (que geralmente é xingando o grupo da oposição) o povo aplaude, grita e festeja. Além disso, enfeitam suas casas com adesivos, bandeiras e colocam os jingles eleitorais para tocar em suas casas, é como se cada casa virasse um “mini comitê” eleitoral. Até mesmo as crianças entram no jogo enfeitando suas bicicletas com adesivo de seu candidato do coração e acompanhando seus comícios. Para eles é importante mostrar sua fidelidade (geralmente passada de geração em geração) por determinado grupo político. No interior, mesmo o eleitor mais “isento” tem um comentário sobre a política local na ponta da língua. Embora pareça um ponto de vista estereotipado da política interiorana essa ainda é a realidade de muitas cidades, principalmente aquelas governadas sobre o jugo do patrimonialismo. E fica a pergunta: No interior, quais não são?
 
Mesmo quem não esteja familiarizado com a palavra, quando souber o significado poderá citar até exemplos recorrentes em sua cidade. Basicamente, patrimonialismo é quando por intermédio de quem está no poder a esfera pública e a esfera privada não sofrem distinção entre si. Numa visão bem simplista é quando o gestor entende a administração pública como extensão de sua casa, colocando à sua inteira disposição recursos estatais.

Nesse tipo de gestão, as prioridades do Estado são relevadas a segundo plano pois as prioridades pessoais do gestor vêm em primeiro lugar. O nepotismo é marca registrada do patrimonialismo, pois o “dono da empresa familiar” não resiste à tentação de empregar seus parentes. O termo foi definido na Europa, por Weber no final do século XIX. No Brasil, o patrimonialismo foi absorvido pela elite política e trouxe no bojo um fenômeno tipicamente brasileiro denominado coronelismo.

Como a própria palavra denuncia, esse sistema era capitaneado pelos coronéis da época que detinham o poder político e econômico de sua região. Muitas das práticas existentes no meio político (principalmente em cidades de menor porte) são herança dessa época. Entre essas práticas, podemos citar: voto de cabresto, apadrinhamento político, conchavo e assistencialismo.

O voto de cabresto hoje em dia é menos eficaz já que o voto é secreto; isso não impede a constante compra de votos nem que eleitores menos esclarecidos sejam pressionados a darem seus votos nesses políticos mal-intencionados. As práticas do patrimonialismo são tão genéricas que podemos estar falando de qualquer cidade, inclusive da sua. Quantos cargos comissionados existem no seu município? Quantos desses cargos são ocupados por pessoas realmente qualificadas e não por apadrinhados políticos? Muitos desses empregos na administração pública foram concedidos através de conchavos políticos. Na ânsia por cargos e poder criam-se as mais diversas alianças; adversários autodeclarados unem-se buscando benefícios mútuos e dessa forma eis que de repente, partido A assume uma secretaria, partido B nomeia alguém para certo departamento e assim vai seguindo a vida no interior. Observem que nessas cidades, grupos oligárquicos se revezam no poder e através da política de assistencialismo mantêm suas respectivas “dinastias”.

A distribuição de cestas básicas esporádicas, pagamento de contas atrasadas e outras ações, fazem parte de uma filosofia assistencialista cujo intuito nada mais é do que mascarar a ineficiência de um lado e a omissão do outro. Como resultado, temos cidadãos completamente a mercê desse sistema sem perspectivas. Políticas públicas que visem trazer melhoria na qualidade de vida dos cidadãos deixam de ser implementadas e esse modelo político se perpetua, sendo uma tarefa muito difícil ser quebrado.

Hora ou outra surgem partidos políticos ditos de “esquerda” que acabam se alinhado com os grupos de direita local, cravando seu espaço nesse sistema. Um exemplo bem claro são alianças do PT em diversas cidades do nordeste e até mesmo em outras regiões. Em São Cristóvão (SE) esse partido tem em sua coligação o PSL, partido de extrema direita e antigo partido do presidente Bolsonaro.

Além disso, muitas pessoas que votam na esquerda no âmbito nacional acabam se “rendendo” e se alinhando aos grupos dos velhos coronéis. Os motivos são diversos, mas os principais são a falta de perspectiva de mudança. A causa é tida como perdida. E claro a falta de oportunidade de empregos, o monopólio desses grupos nas empresas locais levam as pessoas a apoiarem esse sistema em troca de cargos e trabalhos.

Sair da teia do patrimonialismo parece impossível, não é mesmo?

Nesse cenário, torna-se mais difícil para a esquerda socialista se desenvolver nesses locais e firmar seu projeto classista. Mas, nos últimos anos têm se organizado pequenos grupos que estão cansados desse sistema e fazem uma frente de resistência. O PSOL tem sido a maior referência entre essas pessoas que buscam uma alternativa à esquerda reformista, à direita tradicional e à extrema direita bolsonarista.

Para adentrar nesses locais o PSOL precisa fazer um trabalho de base com a população, desvelando as contradições do sistema capitalista, desenvolvendo uma formação com viés classista. É muito claro que as pessoas são engajadas politicamente, mas de uma maneira esvaziada. Está na hora de mudar esse cenário e avançar na construção do socialismo.

Por: esquerdaonline.com.br Kelly Santos, Resistência (Itabaiana - SE) e Marcelo Santos, Resistência (Pedra Mole - SE)


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