AQUI TAMBÉM É NATAL
Por Jerônimo Peixoto
AQUI TAMBÉM É NATAL
Num lugar distante, no tempo e no espaço, uma cena narrada pelo Evangelho de Lucas causa impressionante espanto: Um casal de Nazaré, da Galileia, viaja, num jumentinho, até as cercanias de Belém, na Judeia, para emprestarem seu nome ao recenseamento de Augusto César, Imperador Romano. Para quem é pobre, viajar é sinônimo de sacrifício descomunal, pois sempre há muita poeira e suor, numa estrada improvisada.
Chegada que fora a Belém, dona Maria de Seu José apercebe-se em dores de parto. É preciso arranjar um refrigério qualquer, um espaço apropriado, uma pessoa que lhe faça às vezes de parteira. Seu José sai, imerso na esperança de encontrar uma alma bondosa que lhe desse apoio. Debalde! Na Cidade de Davi, não há espaço para os pobres, para os estrangeiros, para os andarilhos. A realeza, que ali fora instituída, agora soçobrava em si mesma, plena de arrogância e envolta em peçonha própria. Não! A realeza não olha os pobres!
A periferia, outorgada aos sem nada, encarregou-se de dar guarida ao estranho casal. Que loucura! Uma mulher, em tempos de dar à luz, fazer uma caminhada tão extensa! Parece que vivia de aldeia em aldeia, sem nada fazer, sem se preocupar com tarefa alguma. Seria uma mulher desajuizada, que desonra as mais refinadas e afeitas à realeza do Grande Davi! Certamente, faltava-lhe o juízo, o bom senso... deveria procurar seu lugar e não incomodar os citadinos. E esse seu esposo, com feições de desconsolado, não seria melhor procurar uma ocupação, agregando-se a uma família de posses, para lhe ser subserviente? Qual nada!! Expõe-se e expõe a sua companheira. Um casal desse não pode se dignar de ter um lugar na cidade. Este é para quem produz, para quem é bom, para quem faz a diferença.
Pois bem! É um estábulo, onde comem os animais, que servirá de lugar para que os andarilhos pousem e, sob as agruras de uma noite gélida de inverno insano, a mulher sente que lhe é chegada a hora de dar à luz a Luz. Infeliz contradição! A Luz é rejeitada pelas trevas! A humanidade, que se diz boa e “da sociedade” desconhece totalmente a Luz, embora insista em querer brilhar. Diz-se adoradora do Deus único e verdadeiro, mas O rejeita, deixando-Lhe por única possibilidade a manjedoura. Ainda hoje, pessoas altamente afinadas com a religião insistem em usar o nome de Deus para rejeitar, massacrar, discriminar, ofender. E o fazem, sem qualquer remorso. Vale o velho adágio: “quem não sabe rezar, xinga a Deus”.
No nosso Nordeste escaldante, é comum, ainda nos dias atuais, encontrarem-se caminheiros, peregrinos do nada, rumo ao incerto, sem paradeiro, sem lugar nas importantes cidades, mormente entre os que estão comprometidos com a realeza. Há outras grutas, outros estábulos que os acolhem e lhes dão pouso sob o pedaço de papelão. Não mais pedras frias, mas calçadas, barracos, coxos de antigas geladeiras são os únicos artigos de luxo que sobraram aos andantes da esperança.
A ciência e a fé cresceram, a técnica mudou o mundo, e a tecnologia digital o revolucionou, tornando-o pequena aldeia, que cabe na palma da mão. Enquanto isso, os pobres sobrantes não cabem em lugar algum. Infeliz contradição: o mundo, reduzido ao alcance de todos, continua inerte no que tange à atenção aos pobres e desvalidos. A fé e a ciência não foram capazes de nos humanizar ainda. A dureza de há dois mil anos continua petrificando corações e cérebros, de sorte que existem incontáveis manjedouras dispersas pelas estradas e concentradas nas cidades que se julgam principais.
Neste sentido, aqui é Natal, enquanto símbolo da exclusão, enquanto permitimos novos nascimentos sob as palhas ressequidas pela rejeição. O verdadeiro Natal, símbolo do maior nascimento em meio à exclusão, que iluminou o Universo, continua a nos pedir para sermos mais acolhedores, mais servidores e mais solidários. É preciso compreender a mensagem daquela gruta, daquele estábulo, para erradicarmos as atuais manjedouras que enfeiam a humanidade, retirando-lhe o brio da dignidade. É preciso afirmar, com gestos concretos de Amor: aqui também é Natal!
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