A FOME NO BRASIL TEM COR, CLASSE, ENDEREÇO E GÊNERO por Clayton Campagnolla e Manoel Moacir Costa Macêdo

Redação, 16 de Abril , 2021 - Atualizado em 16 de Abril, 2021

A revolução científica do século XVI trouxe conquistas revolucionárias nas dimensões do saber e no destino da humanidade. Descobertas científicas modificaram a vida na Terra. Enfermidades dizimadas e vida poupadas. Povos e territórios além-mar descobertos e ocupados. Conquistas na agricultura, comunicações, medicina, economia e sociologia, entre outras, tornaram a vida longa e civilizada. A barbárie foi vencida e o iluminismo exaltado. Na inequidade da evolução humana, algumas conquistas são sublimadas, outras esquecidas. No entanto, a maior de todas as necessidades, ainda não foi vencida: eliminar a fome, manter a vida e a existência.  

Historiadores registraram “o crescimento do Homo sapiens, de 500 milhões em 1500 para quase 8 bilhões em 2021. A humanidade consumia por volta de 13 milhões de calorias de energia por dia, hoje ultrapassa 1,5 quatrilhão de calorias diárias. A população humana cresceu 14 vezes, a produção 240 vezes e o consumo de energia, 115 vezes”. Conquistas do conhecimento científico, desigualmente apropriadas entre os que podem e os que nada possuem. Privilégios aos concentradas no topo da pirâmide da desigualdade social.

Em números absolutos, em 2018, 116,8 milhões de brasileiros não tinham acesso pleno e permanente aos alimentos, viviam em insegurança alimentar. De 2018 a 2020, o aumento da fome foi de 27,6%, como mostra a pesquisa VigiSAN da Rede PENSSAN, com dezenovemilhões de pessoas passando fome aguda no País.Realidade agravada pela combinação das crises econômica, política e sanitária. As regiões Nordeste e Norte são as mais afetadas pela fome. Em 2020, o índice de insegurança alimentar esteve acima dos 60% no Norte e dos 70% no Nordeste, enquanto o percentual nacional era de 55,2%. A fome afetou 9,0% da população brasileira. Esteve presente em 18,1% dos lares do Norte e em 13,8% do Nordeste. A insegurança alimentar grave, de quase 7,7 milhões, está concentrada na região Nordeste.  A fome se mostrou uma realidade em 12% dos domicílios rurais. Mais de 11% dos domicílios chefiados por mulheres estavam passando fome, contra 7,7% quando a referência era o homem. Das residências habitadas por pretos e pardos, a fome esteve em 10,7%. Entre pessoas de cor branca, esse percentual foi de 7,5%. A fome se fez presente em 14,7% dos lares em que a pessoa de referência não tinha escolaridade ou possuía o ensino fundamental incompleto. Com ensino fundamental completo ou ensino médio incompleto, a fome caiu alcançou 10,7%. Em lares chefiados por pessoas com ensino médio completo em diante, a fome caiu para 4,7%. Contradição da persistente fome em um país que colhe safras recordes de alimentos, a exemplo da safra de 274 milhões de toneladas de grãos, prevista para o corrente ano.

A fome não é uma realidade determinista. No Brasil, a fome não tem causa na falta de oferta de comida, mas na incapacidade dos pobres em comprar. Ela tem causas identificadas e soluções viáveis. No passado recente, o Brasil enfrentou essa dolorosa situação, com o “Programa Fome Zero”. Política pública nacional com projetos que propunham “complementar a renda das famílias muito pobres até a linha da pobreza”, tendo como contrapartida, entre tantas outras, “frequentarem cursos e treinamentos de alfabetização e qualificação profissional”. Priorizou a agricultura familiar e rejeitou às externalidades negativas da receita da “revolução verde”, da acumulação e da concentração de terra. Programa de inclusão social, solidariedade e cidadania. Modelo acolhido pela Organização para Agricultura e Alimentação - FAO, da Organização das Nações Unidas - ONU e seguido por países da América Latina, Caribe, África e Ásia. Escreveu Qu Dongyu, Diretor-Geral da FAO: “[...] um dos papéis da FAO é, de fato, aprender com as experiências bem-sucedidas desses países e compartilhar essas lições com outras nações. O Fome Zero do Brasil é um exemplo disso”.

Resultados relevantes aconteceram no curto prazo no combate à fome. Entre 2003 e 2009, “mais de 20 milhões de pessoas saíram da pobreza, sendo mais acentuada nas áreas rurais, onde 5 milhões de pessoas deixaram a pobreza”. A pobreza brasileira foi reduzida de 44 milhões para 29,6 milhões de brasileiros e brasileiras. O Brasil atingiu o primeiro “Objetivo de Desenvolvimento Social - ODS do Milênio” pela erradicação da fome em 2014. No entanto, em 2018 o País retornou ao “mapa da fome”. A persistente desigualdade social brasileira, a causa maior da fome, tem raízes fincadas na escravidão negra. O desafio do combate à fome deve ser continuado com políticas de Estado de distribuição de renda com geração de emprego e aumento real do salário mínimo e de proteção social para os pobres.

 

Clayton Campagnolla e Manoel Moacir Costa Macêdo, são engenheiros agrônomos.

 

 


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