O DESTINO DE ESFIHA por Renato Brasileiro Junior, Manoel Moacir Costa Macêdo e Gutemberg Armando Diniz Guerra

Redação, 30 de Abril , 2021 - Atualizado em 30 de Abril, 2021

Estudar e trabalhar longe do torrão natal ou de onde estejam os parentes, amigos e a vida afetiva são atividades custosas e difíceis. A vida dos acadêmicos de engenharia agronômica da Escola de Agronomia da Universidade Federal da Bahia - EAUFBA, nos anos setenta, tinha os dois primeiros semestres cursados nos campi da UFBA em Salvador. Passada a fase das disciplinas básicas, os semestres seguintes eram no campus de Cruz das Almas, no Recôncavo Baiano, em geral a partir do terceiro semestre, onde seriam cursadas as disciplinas profissionalizantes. Era uma dupla oportunidade de viver experiências na capital e no interior, de um lado com a massa universitária e de outro com as particularidades de um campus isolado. Essa metodologia prejudicava a coesão entre colegas e castrava lideranças virtuosas. Há quem diga que havia uma intencionalidade nessa modalidade, para evitar a formação de motins, rebeliões, revoltas e greves, entre outras ações políticas.

Em Cruz das Almas, parte dos estudantes residia nos três alojamentos do campus, dois masculinos e um feminino. As refeições eram oferecidas no modesto restaurante universitário. Nesse tempo não estava em pauta a igualdade de gênero, o racismo estrutural e a homofobia. O machismo predominava na identidade nacional. A cidade respirava os ares e delícias do interior. Não passava dos cinquenta mil habitantes. Os costumes carregavam a moral familiar. Predominava um distanciamento entre os estudantes “estrangeiros” e a sociedade local. Em verdade, a vida universitária consumia o tempo e a energia dos estudantes concentrados no campus. Existiam algumas repúblicas e pensões na cidade que acolhiam muitos estudantes, sendo que algumas ficaram famosas, como a “Pensão de Nelson” na Tabela, próxima à entrada principal da Escola. Naquela época existia uma desprezada guarita, embora no dia-a-dia a movimentação acontecesse pela entrada secundária, ao lado do Colégio Alberto Torres, e do bar de Antão.

Alguns registros ficaram na memória, sejam nas vivências diárias nos alojamentos, no restaurante, no campo de futebol, na cantina, nas salas de aula, ou nas inusitadas passagens das rotinas da vida. Uma delas, aconteceu com o colega Antônio Carlos, identificado de pronto como “Esfiha”. Desconhecemos a origem do apelido, mas supomos que tenha se inspirado no seu tipo físico: magro, esbelto e moreno, lembrando os mouros, baiano de boa estirpe, adaptado como poucos ao ambiente universitário.

Normalmente, nos finais-de-semanas e feriados, havia um esvaziamento no campus. Quem residia nas cidades próximas de Cruz das Almas, como Feira de Santana, Santo Estevão, Cachoeira e Muritiba entre outros, viajavam para o encontro familiar. Outros viajavam para Salvador, a capital da Bahia. Alguns colegas jamais passaram um fim de semana na cidade. Geralmente essa movimentação acontecia às sextas-feiras a partir do meio dia. Os poucos que tinham veículos próprios partilhavam a carona com os colegas. Um exemplo era Elias Oliveira, proprietário de carro e Jodemir Freitas, o carona, ambos com familiares em Feira de Santana. Outros usavam o ônibus que partia da Praça Senador Temístocles, a principal da cidade. Não havia rodoviária, nem outras opções de transporte coletivo. Os mais apressados, ao invés de aguardar os horários dos raros ônibus que partiam da Praça, iam para a “Cajá” na BR 101, uns dois quilômetros distantes do centro da cidade, para aventurar pegar ônibus vindos de outras cidades ou uma carona nos veículos que por lá transitavam. Nesse tempo não havia os riscos de assaltos e violências, mas uma aventura costumeira de jovens. Num desses grupos estava o Esfiha. O código usado, era o dedão polegar como positivo, pedindo carona na direção desejada.

Um dia Esfiha solicitou a carona no sentido de Salvador. Após uma hora, sem sucesso, o sol esquentando, a sede chegando, Esfiha mudou de direção. Em pé, no acostamento da BR, desta feita, com o dedão no sentido de Itabuna. Eis que lhe chega a sorte: um carro estaciona ao seu lado, oferece a carona, que é imediatamente aceita e sem pestanejar. Esfiha entra sorridente no veículo e se despede com um bye-bye, aos que ficaram expostos ao sol ardente do verão cruzalmense. Até hoje não se sabe se Esfiha desejava ir para Salvador ou para Itabuna. A impaciência ou sua amplitude afetiva teriam determinado o seu destino.

Renato Brasileiro Junior, Manoel Moacir Costa Macêdo e Gutermberg Armando Diniz Guerra, são engenheiros agrônomos.

 


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