DISCURSO DE POSSE DA PROFA. DRA. ESTER FRAGA VILAS-BÔAS CARVALHO DO NASCIMENTO NA CADEIRA DE NÚMERO VINTE E DOIS DA ACADEMIA SERGIPANA DE LETRAS, PROFERIDO EM 26 DE ABRIL DE 2021.

Domingos Pascoal, 08 de Maio , 2021

DISCURSO DE POSSE DA PROFA. DRA. ESTER FRAGA VILAS-BÔAS CARVALHO DO NASCIMENTO NA CADEIRA DE NÚMERO VINTE E DOIS DA ACADEMIA SERGIPANA DE LETRAS, PROFERIDO EM 26 DE ABRIL DE 2021. 

 A vida é feita de sonhos. E este é mais um sonho que realizo. 

É com gratidão a Deus, à minha família, aos meus irmãos das Igrejas Batistas Betel de Sergipe, aos meus colegas e alunos da Universidade Tiradentes e dos colégios públicos que lecionei e leciono e, aos membros da Academia Sergipana de Letras, que ora ingresso neste Sodalício. 

A Academia Sergipana de Letras é uma das mais tradicionais e, sem nenhuma dúvida, a mais importante organização que trata da cultura sergipana. Esta associação voluntária, desde o início do século XX, luta por imortalizar os nomes e a obra dos intelectuais que melhor compreenderam a alma do povo sergipano. 

A literatura sergipana é rica em nomes de expressão. Gostaria de homenagear a todos esses nomes fazendo referência a duas figuras que sempre foram merecedoras dos aplausos dos sergipanos e dos intelectuais brasileiros. Cito inicialmente, o meu antecessor escritor, engenheiro civil e político João Alves Filho. Presto uma homenagem especial a um amigo ao qual muito devo pela minha formação como intelectual: o escritor, jornalista e imortal Luiz Antônio Barreto. Todavia, a condição feminina e o meu compromisso com a causa da mulher do meu estado impõe que eu reconheça e aplauda o trabalho intelectual e a presença na ASL de Núbia Nascimento Marques (a primeira mulher a ter assento na Academia), Maria Thetis Nunes, Carmelita Pinto Fontes, Gizelda Santana de Morais, Ofenísia Soares Freire, Maria Lígia Madureira Pina, Aglaé D’Ávila Fontes, Jane Alves Nascimento Moreira de Oliveira, Ana Maria do Nascimento Fonseca Medina, Clara Leite de Rezende, Patrícia Verônica Nunes Carvalho Sobral de Souza, Marlene Alves Calumby e, Luzia Maria da Costa Nascimento. 

O termo academia remonta à Academia de Platão - escola fundada pelo filósofo grego nos jardins que um dia teriam pertencido ao herói Akademus, donde vem o nome. Ali buscava-se, pela dialética socrática, o saber pelo questionamento e pelo debate. Foi com esta ideia de debates, que diversas instituições literárias surgiram na França, principalmente durante as primeiras décadas do século XVI. Já em 1635, a Academia Francesa de Letras foi criada pelo Cardeal Richelieu, sendo os patronos os próprios fundadores. 

No Brasil, a Academia Brasileira de Letras foi criada em 20 de julho de 1897, no Rio de Janeiro e, diferente da francesa, os patronos foram selecionados entre os escritores brasileiros falecidos. Anos depois, no dia 1º de junho de 1929, Sergipe recebia sua Academia Sergipana de Letras. 

Invoco em meu auxílio o pesquisador José Genivaldo Martires, em sua tese de doutoramento com o título Do Capelo ao Fardão: a inserção de professoras na Academia Sergipana de Letras no século XX, defendida no ano de 2020 na Universidade Federal de Sergipe. Ali, aquele estudioso nos fala de um processo iniciado em 1919 com a criação da Hora Literária, que congregava poetas, escritores e professores que apresentavam como propósitos da agremiação debater temas, recitar poesias e difundir a cultura letrada. Outras instituições também foram criadas em Sergipe para reforçar esses propósitos, tais como: o Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe (1912), o Clube de Esperanto (1907), dentre outras (MARTIRES, 2020, p. 20).


Compreendo essas instituições como associações voluntárias, sejam maçônicas, patrióticas, literárias, religiosas, conforme definidas por Max Weber no seu conhecido Ensaios de Sociologia. Foram formas modernas de sociabilidade que ofereceram “novos modelos associativos em meio de uma sociedade globalmente organizada em torno de uma estrutura corporativa hierárquica (ordens) e composta na essência por atores sociais coletivos” (WEBER, 2002, p. 356). 

Como contraponto da sociedade tradicional do Antigo Regime, segundo o sociólogo Jean-Pierre Bastian, em seu livro Protestantes Liberales y Francmasones, publicado no México em 1993, aquelas organizações foram “portadoras da modernidade, no sentido de que estruturavam novas formas de organização do social, não centradas sobre os antigos grupos, mas no indivíduo como ator político e social”. Seus membros tinham uma relação com as ideias, com os fins, igualando os indivíduos dentro de um direito abstrato, constituindo-os em cidadãos. As novas associações funcionaram como “laboratórios democráticos nos quais seus membros se educavam pela prática política moderna enquanto indivíduo-cidadão que exercia sua soberania como parte do grupo de eleitores” (BASTIAN, 1993, p. 7). 

Nos Estados Unidos, durante o século XIX, as associações voluntárias tomaram outra dimensão. Eram instituições que promoviam o serviço público comercial, industrial, moral e religioso. Dentre essas, as religiosas, foram uma das mais importantes e visíveis manifestações públicas dos Estados Unidos. Das congregações religiosas às associações fraternais e benevolentes, dos clubes aos hospitais, aquelas organizações foram poderosas, constituindo mais de 10% da economia norte-americana e oferecendo aproximadamente 15% de todo o emprego privado. Proviam serviços sociais, alfabetização, construção de escolas, sendo a forma mais completa de empreendimentos americanos que mais investiram no serviço público. Para os norte-americanos, a manifestação de sua religião moral era tão importante quanto os lugares de culto, pois era necessário ensinar ao povo, e fazê-lo demonstrar, como ele deveria agir, comportar-se, crer.

Conforme o filósofo francês Alexis de Tocqueville, em seu clássico estudo A Democracia na América, os norte-americanos, sem distinção de idade, sexo, condição social, para dar destaque a uma verdade ou desenvolver um sentimento com o apoio de um grande exemplo, se uniam em associações comerciais, industriais, religiosas, morais etc. Deste modo, “criavam escolas, hospitais, prisões, igrejas, davam festas, fundavam seminários, construíam albergues, difundiam livros, enviavam missionários aos antípodas” (TOCQUEVILLE, 2001, v. 1, p. 132).

Tocqueville revelou que a associação consistia na adesão pública de um grupo de indivíduos a determinadas doutrinas. Era o caminho para assumirem o compromisso de fazê-las prevalecer, envidando todos os esforços na direção de um só objetivo. Os homens que caminhavam para o mesmo ideal não eram obrigados a marchar pelos mesmos caminhos, sacrificando sua vontade e razão, mas a aplicarem-nas para o êxito de uma empresa comum. O direito de associação era uma importação inglesa que existia na América desde a sua fundação, e naquele país tomara uma nova configuração.  

Associo-me ao historiador inglês Edward Palmer Thompson, em seu livro A Miséria da Teoria, para entender experiência como uma “resposta mental e emocional, seja de um indivíduo ou de um grupo social, a muitos acontecimentos inter-relacionados ou a muitas repetições do mesmo tipo de acontecimento”, ou mesmo, “as relações que homens e mulheres, como sujeitos, experimentaram e, em seguida as trataram” (THOMPSON, 1981, p. 15, 182). Partindo deste conceito, peço licença para compartilhar um pouco de minha experiência de vida. 

A Ciência sempre me encantou. Lembro-me ainda criança do presente que ganhei dos meus pais – um quadro negro. Passava as tardes estudando, dando aulas para meus alunos ainda invisíveis. E Ciências era a minha matéria preferida. Queria saber tudo das plantas, dos animais, da Astronomia. Passava horas conversando com meu tio Saulo Fraga sobre o mundo sideral e o mundo da Música. Aos sete anos de idade eu já estudava no Conservatório de Música de Sergipe, fazendo musicalização e, em seguida, aprendendo piano, minha eterna paixão. 

Aos 17 anos, eu estava estagiando, ensinando Piano e Teoria Musical no Conservatório de Música de Sergipe. Naquele mesmo ano, ingressei no curso de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Sergipe. Dois anos depois, nos mudamos para Brasília. Meu pai, o pastor Gerson Vilas-Bôas, era suplente de Deputado Federal e substituiu Acival Gomes no Congresso Nacional. Minha mãe, a professora Nádia Fraga Vilas-Bôas, então integrante da carreira docente da Universidade Federal de Sergipe, na mesma ocasião ingressou no curso de Mestrado em Educação Brasileira da Universidade de Brasília. Minha irmã, Rosa Raquel Vilas-Bôas Moura, frequentou o Ensino Médio na capital federal. E eu, obtive uma vaga por transferência da Universidade Federal de Sergipe para a Universidade de Brasília. 

Deste modo, foi possível dar continuidade a minha formação universitária. Além de estudar, comecei a atuar profissionalmente como pianista, trabalhando em casamentos e eventos em Igrejas e outros espaços sociais, inclusive na condição de principal pianista da Catedral brasiliense e professora de órgão na Academia Claude Debussy. 

Retornando a Aracaju, finalizei o meu curso de licenciatura, colando grau pela Universidade Federal de Sergipe. Aqui, prestei concurso público e fui aprovada em uma vaga como professora da rede pública estadual de ensino, lecionando em escolas de Ensino Médio e no Conservatório de Música de Sergipe. 

Anos depois, migrei para as Ciências Humanas. São Cristóvão, março de 1997. Reunida com o imortal deste Sodalício, Jorge Carvalho do Nascimento, a quem conheci no gabinete de trabalho do nosso amigo comum, Luiz Antônio Barreto, imortal desta Academia, definimos um tema de investigação. Era aluna de Jorge no curso de Mestrado em Educação. “Por que você não investiga qual foi a primeira escola protestante instalada em Sergipe, já que é evangélica?”. A pergunta surpreendente soou para mim como um desafio. A partir daquele momento, iniciei uma viagem por caminhos desconhecidos, trilhas inexploradas da História da Educação Protestante. E, depois, com ele pelo caminho da vida a dois.

Posteriormente, em 2005, finalizei o meu curso de Doutorado em Educação, já pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Ainda naquele ano, aceitei o convite da Universidade Tiradentes para lecionar nos seus cursos de Licenciatura. E, no ano seguinte aceitei coordenar a implantação do Mestrado em Educação da instituição. 

O aprofundamento de minhas investigações levou-me a pesquisar a circulação de modelos pedagógicos e práticas de leitura por ingleses e norte-americanos a partir de diversos tipos de impressos, com o objetivo de implantar um projeto civilizador protestante no Brasil do século XIX. A Educação foi o instrumento que os protestantes oitocentistas escolheram para difundir a civilização cristã sob a visão herdada de Martinho Lutero. 

Segundo o sociólogo alemão Norbert Elias, civilização vai além das crenças religiosas. Diz respeito a uma grande variedade de fatos que tratam de padrões de tecnologia, maneiras, conhecimento científico, ideias religiosas e costumes. Refere-se a um processo. Enfatiza as regularidades, o que é comum a todos os homens. 

Compreendo a educação como um processo pelo qual são modelados comportamentos, valores, crenças. Através dela o indivíduo é capaz de apreender os sentidos dos padrões culturais do grupo social no qual está inserido e, ao incorporar tal aprendizado à sua singularidade, é formado por essa mesma sociedade, ao tempo em que a transforma. 

Entendo a sociedade como uma rede de funções interdependentes no interior das associações humanas. As pessoas estão ligadas entre si, apesar de nem sempre serem visíveis ou tangíveis tais liames. As ligações, contudo, são reais. E o homem, dentro dessa configuração social passa por um processo civilizador individual que é igualmente função do processo civilizador social. O resultado do contato contínuo com a experiência produz o que Elias denomina de condição humana.

 

Orgulho-me de suceder, a partir de hoje, o engenheiro João Alves Filho na Cadeira de número 22 da Academia Sergipana de Letras, tendo como patrono o advogado Martinho Cézar da Silveira Garcez. Este sergipano nasceu no Engenho de Comandaroba, em Laranjeiras, no dia 30 de novembro de 1850. Realizou seus estudos preparatórios na cidade do Rio de Janeiro, nos colégios Santo Antônio e Vitória. Bacharelou-se na Faculdade de Direito do Recife, na turma de 1872. Já em Sergipe, no dia 1º de maio de 1874, foi nomeado promotor público de Laranjeiras e, no mês seguinte, juiz municipal e de órfãos dos termos de Campos, atual Tobias Barreto, e Lagarto. No ano seguinte, foi nomeado juiz municipal da cidade mineira de Juiz de Fora. Foi deputado provincial na legislatura 1884-1887, presidente da Província de Sergipe entre 1896 e 1899 e a senador no período de 1900 a 1908. Integrou o Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros, foi professor catedrático de Direito Civil e diretor da Faculdade de Direito Teixeira de Castro, no Rio de Janeiro. Faleceu no Rio de Janeiro, em 11 de agosto de 1925.

Foi em 21 de fevereiro de 1900, em Aracaju, que nasceu João Passos Cabral, o fundador da Cadeira de número 22, que tenho a honra de ocupar agora. Fez seus primeiros estudos em instituições sergipanas. O imortal José Anderson Nascimento, em sua obra magistral Perfis Acadêmicos, esclarece que no ano de 1919, Passos Cabral “matriculou-se em uma das instituições que formariam, um ano depois, a Faculdade de Direito do Rio de Janeiro”. A colação de grau está registrada no dia 11 de agosto de 1927 (NASCIMENTO, 2017, p. 423).

No Rio de Janeiro, Cabral foi aprovado em concurso para administração local da repartição dos Correios. Dentre várias atividades, entre 1929 e 1930, exerceu o mandato de deputado estadual em Sergipe. Foi professor catedrático da Escola Normal Rui Barbosa, de Aracaju. Como jornalista, colaborou em diversos órgãos da imprensa escrita, tendo fundado a revista Renovação. Faleceu no Rio de Janeiro, em 13 de abril de 1950.  

Em 5 de janeiro de 1951, foi eleito para a vaga de Passos Cabral o padre Alberto Bragança de Azevedo. Por duas vezes solicitou que fosse prorrogada a data da sua posse e morreu sem assumir a Cadeira que permaneceu vaga durante 22 anos. 

Somente no dia de 15 de novembro de 1972, após a morte do monsenhor professor doutor Alberto Bragança de Azevedo, a Cadeira de número 22 foi ocupada pelo escritor José Augusto Garcez. Outra vez recorro a Anderson Nascimento para entender a trajetória intelectual do itaporanguense José Augusto Garcez. Ele fundou e manteve “museus, bibliotecas e arquivos da mais alta significação histórica e cultural, para a preservação das raízes culturais de Sergipe”. Em 1953, criou o Movimento Cultural de Sergipe, promovendo mais de 50 publicações sobre diversos temas. Faleceu em Aracaju, no dia 12 de janeiro de 1992 (NASCIMENTO, 2017, p. 423).  

João Alves Filho, a quem sucedo, nasceu em Aracaju, a 3 de julho de 1941. Foi um homem pragmático, de sólida formação científica. O filósofo e psicólogo protestante norte-americano William James ensinou que o Pragmatismo se estabeleceu como a filosofia da ação, procurando articular as novas ideias filosóficas ao darwinismo e à religião. James defendia que a razão e a fé não necessitavam estar desvinculadas, pois não eram polos opostos, caminhavam juntas, eram inerentes ao ser humano. Com base em suas experiências, o homem possuía o direito de crer num Deus que lhe daria um futuro e também crer em si mesmo para construir o presente.

O Pragmatismo compreende que a realidade é criada, é a soma das experiências. A filosofia pragmatista enfatiza a interação da pessoa em seu meio ambiente. O mundo só tem sentido à medida que o homem lhe atribui significado. Outro aspecto da doutrina pragmatista é que a verdade antecede a uma ideia e esta, torna-se verdadeira à medida que entra em contato com nossa experiência e torna-se útil, funcional. 

Como homem pragmático que era, João Alves Filho sempre valorizou o trabalho. No ano de 1993, quando tomou posse neste Sodalício, o então novel acadêmico relatou que seu pai lhe ensinou que “não existe nenhum trabalho inferior, todo trabalho é nobre. Aprendi a cultivar uma verdadeira devoção pelo trabalho, e aprendi que nada poderá ser conquistado sem muita luta, sem muita determinação, sem muito trabalho” (ALVES FILHO, 1993, p. 10). 

A imortal Marlene Alves Calumby relata que o estudioso e inteligente aluno João, no segundo ano do curso de Engenharia da Escola Politécnica da Bahia, 


foi selecionado dentre líderes estudantis de São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco para participar de um Curso nos Estados Unidos, sobre a política social e econômica daquele país. Além da bolsa obtida para o período de 40 dias nos Estados Unidos, conseguiu em Washington, na Associação Universitária Interamericana (AUI), mais dez dias de permanência na Universidade de Harvard (CALUMBY, Correio de Sergipe, Biografia, 28 de dezembro de 2020, p. 2).


Como o meu antecessor, tenho a satisfação de integrar na condição de associada, o Rotary Club de Aracaju-Norte, agremiação do Rotary Internacional à qual o escritor João Alves Filho também pertenceu. Como ele, tive a oportunidade de estreitar, naquele clube, os laços de amizade profundos que João Alves Filho mantinha com o professor Olympio Seixas, entusiasta da língua inglesa e da cultura norte-americana. Este é um elo em comum que nos une intelectualmente. 

O depoimento sobre a formação do engenheiro João Alves Filho fez com que eu retomasse as lições do sociólogo Max Weber. Este afirmou que as ideias religiosas difundidas a partir do século XVI trouxeram consequências lógicas e psicológicas em cada atitude religiosa prática para o mundo ocidental. A conduta ascética determinada pelos movimentos reformados, a exteriorização religiosa fincada nos corações e nas almas, significou um planejamento racional de toda a vida do indivíduo, de acordo com a vontade de Deus.

Para Weber, a Reforma Protestante transformou as forças mágicas e religiosas e, os ideais éticos de dever deles recorrentes, numa conduta racional. A ideia do dever, do autocontrole, a capacidade de concentração mental, o sentimento de obrigação com o trabalho, foram forjados nas mentes e nos corações através de uma educação religiosa.

Engenheiro, político, estadista, intelectual, um escritor contumaz, João Alves Filho pesquisou e produziu sistematicamente sobre o Nordeste. Como ele mesmo afirmou no seu discurso inaugural nesta casa, durante toda a sua vida, foi um “obcecado pela viabilidade do Nordeste, (...), razão principal de minha vivência política, da minha luta intelectual, de meus escritos” (ALVES FILHO, 1993, p. 13). 

Como construtor e político, João Alves Filho se inspirava em Juscelino Kubitschek de Oliveira. E como estadista, em um dos seus ícones, o inglês Winston Churchill. O escritor João Alves Filho exerceu um papel importante na transição para a democracia, ao aderir ao projeto de Tancredo Neves e apoiar a ascensão dos grupos de esquerda ligados ao MDB, sob a liderança de figuras como Jackson Barreto e José Carlos Teixeira.

Mantive contatos familiares de natureza política com o gestor público João Alves Filho.  Em 1985, o imortal e governador João Alves Filho implantou a Fundese – Fundação de Desenvolvimento Comunitário de Sergipe – e convidou o pastor Gerson Vilas-Bôas para ser seu presidente. Na ocasião, além do entusiasmo do chefe do Poder Executivo Estadual, também a primeira dama, Maria do Carmo Nascimento Alves, viu no pastor Gerson as qualidades necessárias ao bom desempenho daquelas funções. 

Como presidente da Fundese, o meu pai convidou a imortal Jane Alves Nascimento Moreira de Oliveira para ocupar a Diretoria Jurídica e a advogada Jalva Nascimento dos Santos para assumir o Serviço Psicossocial da Instituição. O trabalho dos três foi exitoso no processo de estruturação e organização da nova Fundação Estadual.

À medida que o Brasil avançava em direção à Assembleia Nacional Constituinte, de 1987/1988, o Governador João Alves Filho foi incorporando ao seu discurso as ideias de Alexis de Tocqueville e de Max Weber sobre democracia, política e organização social, velhas conhecidas do seu acervo intelectual.

Da sua vasta produção intelectual, destaco aqui alguns trabalhos que me chamaram a atenção pela minha formação em Ciências Biológicas. Constatei que seus permanentes estudos, sua crença e comprometimento na construção de uma sociedade mais justa e igualitária possibilitaram a João Alves Filho a clareza quanto aos pontos primordiais necessários a uma agenda de desenvolvimento, alguns deles, presentes nos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável/ODS produzidos em 2012, durante a Conferência das Nações Unidas sobre desenvolvimento sustentável no Rio de Janeiro. 

Os ODS contemplam os desafios ambientais, políticos e econômicos mais urgentes que nosso mundo enfrenta. Incluem também novas áreas como a mudança climática, desigualdade econômica, inovação, consumo sustentável, paz e justiça, entre outras prioridades. 

Dentre eles, vislumbrei no projeto de Estado e de Nação do imortal João Alves Filho os objetivos que buscavam garantir Água Limpa e Saneamento (6), Fome Zero e Agricultura Sustentável (2), Energia Limpa e Acessível (7), Redução das Desigualdades (10).   

João Alves Filho sabia da necessidade de organizar e realizar um projeto integrado de ação para a sociedade – educação, saúde, infraestrutura, saneamento básico e turismo. Corroboro com o pensamento do Presidente da Academia Sergipana de Letras, o imortal José Anderson Nascimento (Correio de Sergipe, 2020, p. 18), quando destaca que “João Alves Filho reuniu os seus estudos e ideias sobre a temática, pelo que assumiu uma grande liderança na defesa do Velho Chico, tornando-se um autor que aderiu às questões socioambientais, suas causas e consequências”. 

Na sua trajetória de vida, o intelectual que com muito orgulho tenho a honra a de suceder, acumulou títulos e honrarias. Produziu dissertações e teses sobre temas, como as secas, as águas e a transposição do Rio São Francisco. João Alves Filho dedicou-se a Sergipe e a Região Nordeste, com projeções para encontrar soluções ou medidas que atendessem às necessidades do povo, principalmente dos mais pobres. 

Há outra reflexão do presidente desta Academia de Letras que vale a pena considerar. “Muito tem que se estudar sobre o Imortal João Alves Filho, não só pelas suas realizações como gestor público, mas, também pelos seus ensinamentos e pela sua produção escrita em favor de Sergipe e do Brasil” (Correio de Sergipe, 2020, p. 18).

Não posso encerrar esta minha oração sem sublinhar o relacionamento do imortal João Alves Filho com as diferentes linguagens artísticas. A pintura, a música, o cinema eram presenças permanentes no universo mental do engenheiro João Alves Filho. A construção humana na sua visão comportava não apenas cimento e aço, mas se fortalecia sob a forma das manifestações do espírito sensível e criador. 

O engenheiro absorveu os ensinamentos de Gilles Plazy, no seu conhecido estudo biográfico de Pablo Picasso, quando afirma que 


a vida, como a arte não é uma questão de aprendizagem controlada, mas uma aventura totalmente solitária. O que implica ter de aceitar a ideia de que nada jamais está definitivamente dado e que é preciso menos escutar os conselhos dos outros do que confiar na própria intuição (PLAZY, 2007, p. 25).


Nas academias, a imortalidade consiste na perpetuação da obra legada durante toda a existência aqui na Terra. O falecimento de João Alves Filho nos deixou saudosos, mas a sua obra ficou imortalizada como um legado para as nossas gerações e aquelas que virão. Ingresso neste honroso grupo de imortais, sabendo que tenho o trabalho de cada um dos meus pares como espelho inspirador. 

Ao tomar assento ao lado de todos os confrades e confreiras pela primeira vez, o faço com a humildade dos que vieram aprender mais um pouco e contribuir com o pouco que tenho de produção intelectual. Honrada estou, com a grandeza dos corações e a generosidade presente na personalidade de cada um e de toda a Academia por permitir que a partir de agora eu tenha a possibilidade de ser reconhecida como ocupante da Cadeira 22 da Casa de Tobias Barreto. 

Continuarei sonhando.

Muito Obrigada!


ESTER FRAGA VILAS-BÔAS CARVALHO DO NASCIMENTO

ARACAJU, 26 DE ABRIL DE 2021

 

REFERÊNCIAS

ALVES FILHO, João. Humanismo e política. Aracaju: S/Ed, 1993. 

BASTIAN, Jean Pierre. (Comp.). Protestantes, liberales y francmasones. Sociedades de ideas y modernidad en América Latina, siglo XIX. México: Fondo de Cultura Económica/CEHILA, 1993, p. 7-14.

CALUMBY, Marlene Alves. Correio de Sergipe. Biografia. Aracaju, 28 de dezembro de 2020, p. 2, 3. 

JAMES, William. Pragmatismo e outros ensaios. São Paulo: Martins Fontes, 2006. 

MARTIRES, José Genivaldo. Do capelo ao fardão: a inserção de professoras na Academia Sergipana de Letras no século XX.  Tese de Doutorado em Educação. São Cristóvão: UFS, 2020.

NASCIMENTO, José Anderson. Correio de Sergipe. História. Aracaju, 28 de dezembro de 2020, p. 18. 

NASCIMENTO, José Anderson. Perfis acadêmicos. Aracaju: EDISE, 2017. 

PLAZY, Gille. Picasso. Porto Alegre: L&PM, 2007.

THOMPSON, E. P. A miséria da teoria ou um planetário de erros – uma crítica ao pensamento de Althusser. Rio de Janeiro: Zahar, 1981.

TOCQUEVILLE, Alexis de. A democracia na América. Sentimentos e opiniões. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

WEBER, Max. Ensaios de Sociologia. 5. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2002.

 

 


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